terça-feira, 22 de novembro de 2016

Se computador de Deltan funcionar, PowerPoint de Temer se monta sozinho

As prisões de Sergio Cabral e Anthony Garotinho serviram como válvulas de escape para as frustrações da população do Rio de Janeiro com o ajuste fiscal em curso. Há uma sensação de que, se haverá cortes em serviços essenciais, salários e aposentadorias, ao menos os culpados pela crise foram presos.
A princípio, isso poderia jogar a favor do ajuste. Os cortes anunciados no Rio de Janeiro são duríssimos. A insatisfação popular é inevitável. Se a forma de expressão desse descontentamento for fazer festa pela prisão de políticos corruptos, o ajuste terá saído barato, do ponto de vista político.
Entretanto, há dois fatores que complicam esse cálculo.
Em primeiro lugar, as prisões podem reforçar a convicção popular de que o dinheiro acabou porque os políticos o meteram no bolso.
Essa é, no mínimo, uma análise bastante incompleta. Se ninguém tivesse roubado nada, os gastos do Estado do Rio de Janeiro ainda teriam subido demais, as isenções ainda teriam sido excessivas e o preço do petróleo ainda teria caído.
Mas a explicação é reconfortante: se tiver sido só roubalheira, nenhum grande ajuste é necessário. Em vez de Levy, Barbosa ou Meirelles, nos bastará Sergio Moro.
Em segundo lugar, as prisões só servirão como válvula de escape para a insatisfação com o ajuste enquanto os presos não forem as autoridades responsáveis pelos cortes.
Faça a lista dos políticos mais próximos a Temer. Cruze com os nomes mais cotados para aparecerem nas delações que já vêm vindo. Estão todos lá. Todos. Não, não tem nenhum fora. Se o computador do procurador Deltan Dallagnol estiver funcionando, o PowerPoint com Temer no meio se monta sozinho.
Como no caso de Lula, será besteira: ninguém é chefe da corrupção brasileira, um negócio que sempre resistiu bem às trocas de presidente. Mas quem aplaudiu o último show do PowerPoint não vai ter como reclamar do próximo.
E, enfim, o mesmo Congresso que deve aprovar as reformas, o mesmo Congresso que escolherá o sucessor de Temer em caso de cassação deve aprovar também uma anistia para si mesmo.
Até agora, Temer está dando uma aula de sobrevivência a Dilma Rousseff. Dilma caiu por não conseguir fazer o ajuste e por não ter conseguido parar a Lava Jato. Nos dois casos, cada um pode substituir "não conseguiu" por "não quis" conforme sua preferência partidária.
Ao fazer o ajuste econômico, Temer aumentou muito o preço de uma nova troca de presidente. Pouca gente se anima com a possibilidade de nova turbulência política justamente na hora em que a economia deve começar a melhorar.
E, se alguém duvida que o governo joga contra a Lava Jato, a nomeação de Romero "estancar a sangria" Jucá para líder no Senado fala por si mesma.
Mas a estratégia de fazer o ajuste e salvar os políticos será severamente testada nos próximos meses. As investigações da Lava Jato e o ajuste econômico são processos independentes, e foi um certo azar que acontecessem ao mesmo tempo. Mas o aperto de cintos gera um enorme apetite por bodes expiatórios, e as acusações de corrupção produzem ótimos candidatos para o papel. O pessoal não está gostando do ajuste, e está gostando de ver gente sendo presa. Não é uma combinação boa para o governo.


Texto de Celso Rocha de Barros, na Folha de São Paulo

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