As prisões de Sergio Cabral e Anthony Garotinho serviram como válvulas
de escape para as frustrações da população do Rio de Janeiro com o
ajuste fiscal em curso. Há uma sensação de que, se haverá cortes em
serviços essenciais, salários e aposentadorias, ao menos os culpados
pela crise foram presos.
A princípio, isso poderia jogar a favor do ajuste. Os cortes anunciados
no Rio de Janeiro são duríssimos. A insatisfação popular é inevitável.
Se a forma de expressão desse descontentamento for fazer festa pela
prisão de políticos corruptos, o ajuste terá saído barato, do ponto de
vista político.
Entretanto, há dois fatores que complicam esse cálculo.
Em primeiro lugar, as prisões podem reforçar a convicção popular de que o
dinheiro acabou porque os políticos o meteram no bolso.
Essa é, no mínimo, uma análise bastante incompleta. Se ninguém tivesse
roubado nada, os gastos do Estado do Rio de Janeiro ainda teriam subido
demais, as isenções ainda teriam sido excessivas e o preço do petróleo
ainda teria caído.
Mas a explicação é reconfortante: se tiver sido só roubalheira, nenhum
grande ajuste é necessário. Em vez de Levy, Barbosa ou Meirelles, nos
bastará Sergio Moro.
Em segundo lugar, as prisões só servirão como válvula de escape para a
insatisfação com o ajuste enquanto os presos não forem as autoridades
responsáveis pelos cortes.
Faça a lista dos políticos mais próximos a Temer. Cruze com os nomes
mais cotados para aparecerem nas delações que já vêm vindo. Estão todos
lá. Todos. Não, não tem nenhum fora. Se o computador do procurador
Deltan Dallagnol estiver funcionando, o PowerPoint com Temer no meio se
monta sozinho.
Como no caso de Lula, será besteira: ninguém é chefe da corrupção
brasileira, um negócio que sempre resistiu bem às trocas de presidente.
Mas quem aplaudiu o último show do PowerPoint não vai ter como reclamar
do próximo.
E, enfim, o mesmo Congresso que deve aprovar as reformas, o mesmo
Congresso que escolherá o sucessor de Temer em caso de cassação deve
aprovar também uma anistia para si mesmo.
Até agora, Temer está dando uma aula de sobrevivência a Dilma Rousseff.
Dilma caiu por não conseguir fazer o ajuste e por não ter conseguido
parar a Lava Jato. Nos dois casos, cada um pode substituir "não
conseguiu" por "não quis" conforme sua preferência partidária.
Ao fazer o ajuste econômico, Temer aumentou muito o preço de uma nova
troca de presidente. Pouca gente se anima com a possibilidade de nova
turbulência política justamente na hora em que a economia deve começar a
melhorar.
E, se alguém duvida que o governo joga contra a Lava Jato, a nomeação de
Romero "estancar a sangria" Jucá para líder no Senado fala por si
mesma.
Mas a estratégia de fazer o ajuste e salvar os políticos será
severamente testada nos próximos meses. As investigações da Lava Jato e o
ajuste econômico são processos independentes, e foi um certo azar que
acontecessem ao mesmo tempo. Mas o aperto de cintos gera um enorme
apetite por bodes expiatórios, e as acusações de corrupção produzem
ótimos candidatos para o papel. O pessoal não está gostando do ajuste, e
está gostando de ver gente sendo presa. Não é uma combinação boa para o
governo.
Texto de Celso Rocha de Barros, na Folha de São Paulo.
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