"Incrível! Um verdadeiro Mussolini!" Sem ironia, soprou Alberto Moravia
ao ouvido de Régis Debray. O italiano e o francês estavam na Praça da
Revolução, em Havana. Era 1966. Só com o verbo, Fidel Castro mantinha 1 milhão de cubanos hipnotizados havia uma hora.
"Você está tirando um sarro", reagiu Debray, que achou a comparação de
mau gosto. Italiano por italiano, disse, o certo seria aproximar Castro
de Garibaldi. "Não, não, acredite em mim, você nem era nascido",
insistiu o autor de "O Conformista".
Declarado persona non grata por Mussolini, Moravia mudara de nome para
sobreviver ao fascismo. Foi castrista até morrer, depois da queda do
Muro de Berlim. De há muito a esquerda europeia rompera com Cuba.
Debray esteve com Che Guevara
na guerrilha na Bolívia, onde ficou preso durante quatro anos.
Colaborou com Allende no Chile. Entrou com os sandinistas em Manágua
para tomar o poder. Integrou o único governo socialista francês do
pós-guerra, o de Mitterrand.
Afastou-se de Castro em 1989, quando o Líder Máximo encenou um enésimo
tribunal stalinista, o affaire Ochoa. Debray se disse há pouco um
"gaullista de esquerda" –o que não quer dizer nada, mas coroa um trajeto
de nosso tempo, o de companheiro de viagem da revolução.
Em "Louvados Sejam Nossos Senhores", o seu cortante livro de memórias,
ele reconhece que, naquele dia distante, Moravia achou "a chave do poder
de sedução que a ilha oralizante e declamatória exercia sobre nossos
espíritos progressistas".
O improviso e a teatralidade latina do Líder Máximo eram uma revolução
retórica dentro da revolução real. A União Soviética se mantivera fiel a
suas origens livrescas, racionalistas e filosofantes. Cuba contrapunha
juventude e aventura à escolástica decrépita do socialismo à la Stalin. A
revolução ficou pop.
Debray diz que Castro tinha "mentalidade narrativa, localista e
anedótica". Não se ocupava de teoria, fugia do debate de ideias e não
ouvia os adversários. Lia muito, mas só sobre história, pois era
"obcecado com os historiadores do futuro e com sua imagem póstuma".
O homem do Livro era Che, que lera Conrad, Lorca e Cervantes na
adolescência. Era médico e estudara economia; buscava embasar a política
na ciência. Espírito aberto, chamou a Cuba o trotskista Mandel e o
maoísta Bettelheim, além de Sartre e de Beauvoir. Discutiu com eles os
rumos do socialismo.
Concluiu que, para salvá-lo da burocratização, era preciso
internacionalizá-lo. Escorou-se no Debray de "Revolução Dentro da
Revolução", teorização da experiência cubana que apostava em focos
guerrilheiros rurais e escanteava os trabalhadores urbanos. Toda uma
geração de revolucionários latino-americanos foi derrotada junto com
Che.
Castro passou a apoiar mais e mais, e a se apoiar, na URSS, que morreu
antes dele. Ironicamente, o seu internacionalismo, de vertente estatal e
geopolítica, vingou: Angola, Namíbia e a África do Sul não teriam se
libertado, nem o apartheid seria vencido, sem a intervenção cubana.
Mandela repetiu até morrer que Castro era um grande herói africano.
A toupeira da revolução desceu ao inferno. O socialismo sumiu de vista. A
política se tornou o ofício preferencial de patifes. A oralidade
rebelde foi suplantada pelo marketing do conformismo. A juventude pop
virou item de consumo. Submeteram-se todos ao verdadeiro Líder Máximo
desse mundo maravilhoso, o mercado.
Texto de Mario Sergio Conti, na Folha de São Paulo.
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