Talvez não seja desta forma que você esteja a vivenciar este momento, mas parece ser assim que alguns setores hegemônicos da formação da opinião pública gostaria que fosse.
Não foi muito diferente na Argentina. O governo Macri foi saudado como o fim do populismo fiscal e político. Seus resultados estão aí para quem quiser ver: no primeiro trimestre do ano mais de 1,3 milhão de pessoas voltou à classe pobre, fazendo este número saltar de 29% da população argentina para 34%. A isto, certos jornais e revistas chamam de "sucesso".
O Brasil tem uma grande "expertise" nesta área. Já na ditadura militar, tínhamos que aguentar o cinismo de presidentes que diziam "O país vai bem, mas o povo vai mal". A frase era muito boa. Havia um país do qual o povo não participava. País que produzia milagres que, como se dizia à época, faziam o bolo crescer para depois ser repartido. No final, o bolo cresceu, mas apenas para a casta de sempre. Bem, agora o país está pronto novamente a ir bem, enquanto seu povo cai no abismo.
Afinal, os peões já estão postos no tabuleiro. O "governo" e seu ministro banqueiro já anunciou corte de 45% da verba de investimentos das universidades, mostrando o nível do seu comprometimento com a educação nacional. Ele luta por novas leis trabalhistas que visam precarizar as condições de trabalho, generalizar as terceirizações e os parcos direitos que o trabalhador brasileiro.
No mesmo momento em que políticas desta alcunha são gestadas, o lucro líquido dos cinco principais bancos brasileiros foi de R$ 30 bilhões. Sim, alguém ganhou enquanto você perdia.
Quando a economia voltar a crescer, os níveis salariais médios serão ainda mais baixos, os níveis de desigualdade voltarão aos índices de sempre. Mas isto não fará muita diferença, pois sua casa será inundada, como na boa época da ditadura militar, com propaganda oficial travestida de notícia. Sempre haverá uma olimpíada para celebrar, sempre haverá um circo sem pão. Como dizia Oswald de Andrade e Pagu em seu jornal "O homem do povo": "Nesta vida tudo é passageiro, menos o motorista e o motorneiro", pois estes vão precisar trabalhar em condições draconianas de sempre para o ônibus continuar a andar e garantir a riqueza dos cartéis.
Enquanto isto ocorre, a classe política resolveu neste momento brincar de eleições. Sim, as eleições brasileiras sempre tiveram uma vocação para a farsa, haja vista a história de nossa República Velha com suas eleições de fachada que não passava de acerto entre grupos de oligarcas.
Ao que parece, elas voltaram com força. Afinal, eleições? Que eleições? Sem campanha, com regras feitas sob medida para esvaziar debates e excluir candidatos, com partidos que não representam nada, conseguimos fazer das eleições uma pantomima. O povo brasileiro percebe isto a ponto de mostrar um desinteresse soberano por uma eleição que ocorrerá em pouco mais de um mês.
Mas em um país no qual uma presidenta é afastada por uma claque de corruptos a partir de um "crime" criado sob encomenda em um acerto de contas, em uma briga de gangues entre ocupantes do mesmo barco de "governabilidade", onde membros do seu próprio partido, como o prefeito de São Paulo, dizem que "golpe" é uma palavra muito dura, isto enquanto seu partido continua sua práticas políticas degradadas de sempre fazendo negociação no varejo com os próprios "golpistas", o que significa afinal "eleições"?
Texto de Vladimir Safatle, na Folha de São Paulo.
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