segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Olimpíada do Rio de Janeiro superou as expectativas

Supondo que a festa de encerramento da Olimpíada não tenha tido Paulinho da Força repetindo a performance de Gisele Bundchen na abertura, já é possível dizer que os jogos do Rio de Janeiro superaram as expectativas. E isso não foi só porque as expectativas eram completamente alucinadas: a impressão era de que hordas de zumbis canibais devorariam os atletas e uma nova peste negra surgida na Baía de Guanabara daria início a outra idade das trevas.
Por que as expectativas eram tão ruins? Na verdade, as Olimpíadas acabaram servindo para que inúmeros analistas, no Brasil e no exterior, tentassem compensar o excesso de otimismo com o Brasil nos anos 2000 sendo excessivamente pessimistas agora. A Olimpíada não era a Nova Matriz Econômica, não era nosso impeachment bananeiro, não era Dilma nem Temer, mas apanhou como se fosse.
É óbvio que há muito o que criticar, mas a Olimpíada provavelmente estive perto do melhor possível em um país pobre, desigual e democrático.
Esse último ponto foi, na maioria das vezes, ignorado nas análises. As desapropriações em comunidades pobres foram péssimas, mas foram fortemente contestadas na sociedade civil, e uma pequena parte dos moradores da Vila Autódromo, ao fim de uma luta heroica, conseguiu mesmo o direito de permanecer onde estavam, agora com casas decentes construídas pelo poder público. O caminho até a Olimpíada do Rio foi bagunçado pelo escândalo das empreiteiras, mas só houve escândalo porque o judiciário pegou as empreiteiras. Não é fácil imaginar essas coisas na China ou na Rússia.
A China e a Rússia, aliás, puderam alocar muito mais dinheiro em suas Olimpíadas porque suas populações têm menos voz no processo orçamentário. Tanto a belíssima Olimpíada de Pequim quanto a Olimpíada de Inverno de Sochi, na Rússia, foram muito mais caras do que a Olimpíada na terra de Bezerra da Silva.
Há toda uma tradição de usar grandes eventos para denúncias sociais, e isso é excelente. Parabéns aos ativistas que aproveitaram o foco internacional no Rio de Janeiro para denunciar o descaso com a Baía de Guanabara ou a situação das comunidades pobres. Até mais do que antes dos jogos, agora é a hora de tentar incorporar essas críticas à discussão sobre a cidade. Como integrar a Zona Norte ao Centro renovado? Afinal, o que fazer para limpar a Baía? Essas são as perguntas para os próximos anos.
Mas também é preciso tomar cuidado com a história de que os jogos olímpicos foram apenas um festival de exclusão: não tenho dúvida de que a decisão de construir a Cidade Olímpica da Barra foi influenciada pela especulação imobiliária, mas a infraestrutura de transportes construída está longe de servir só aos mais ricos. Dêem uma olhada na lista de estações dos corredores de ônibus do BRT, procurem os bairros ricos. O centro da cidade do Rio de Janeiro foi reorganizado com evidente ênfase no transporte coletivo. Os jogos foram uma luta em que também houve vitórias para o projeto de uma cidade mais inclusiva.
Enfim, se não foi a Olimpíada dos sonhos, foi porque não foi nos sonhos que ela aconteceu. Mas as Olimpíadas provaram que mesmo nesta cidade aqui, real, concreta, há mais tarefas possíveis do que se pensava.


Texto de Celso Rocha de Barros, na Folha de São Paulo

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