Situações extremas fazem pensar.
Porto Alegre anda assolada por uma onda de violência.
Não há como não entender a ira das pessoas com a insegurança e com a crueldade dos bandidos.
Parte do problema é de responsabilidade do governo, que afrouxou a segurança, por questões de caixa ou de ideologia do tamanho de Estado, e desestimulou as polícias, sinalizando um campo livre para os bandidos.
Não há como não compreender o desejo de justiçamento ou de justiça expedita de muitas pessoas.
Mas resolve? Foi assim que o mundo com baixa taxa de criminalidade resolveu seus problemas?
Um amigo me diz que violência se resolve com violência.
Outro me repete que bandido bom é bandido morto em qualquer situação.
Não se pretende, que eu saiba, porém, executar sumariamente todos os bandidos presos.
Em situação de enfrentamento, é necessário ponderar todos os fatores envolvidos, a começar pelo estresse.
Mesmo assim, também se deve considerar o treinamento dos agentes do Estado.
É claro que entre a morte de um policial e a morte de um bandido, “prefere-se” a morte do bandido.
Prefere-se, mais ainda, que o policial não precise morrer e que, neutralizado, o bandido seja preso.
Nas sociedades democráticas, mesmo nas que admitem a pena de morte, ela é o resultado de um julgamento.
Pensemos o problema por partes.
Qual é a causa maior da violência urbana no mundo? Uma hipótese: a desigualdade. Por desigualdade não se deve entender a pobreza absoluta. Um país pode ser muito pobre e ter baixa taxa de criminalidade. É o caso de Gana. Por desigualdade deve-se entender a distância entre os muito ricos (poucos) e os demais (muitos). Especialmente em situações de culto ao consumismo. Como conciliar a extrema incitação ao consumo inútil com moderação em sociedades perpassadas pela perda de referências, pelas drogas e pela sensação de urgência e de atalho?
É possível citar um país com alto equilíbrio na distribuição das suas riquezas e alto índice de violência cotidiana?
Não.
Basta pensar na Suécia como exemplo.
Se é possível citar país pobre com pouca criminalidade, é impossível citar um país com distribuição equilibrada e alto grau de violência. A desconcentração de renda parece ser uma pista para diminuir a violência. Os exemplos exitosos são incontáveis: países escandinavos, França, Suíça, Bélgica, Alemanha… Nesta hipótese, a questão não é moral, mas pragmática. Se diminuindo a concentração de riquezas a violência cai, por que não fazer isso?
A explicação para não fazer isso pode ser esta: a visão de que a desigualdade (alta concentração de riquezas) é “natural” e que ninguém deve ceder parte do que possui para ter paz. Se posso ter muito, por que terei menos? Se posso ter quase tudo, por que entregarei uma parte? A resposta poderia ser esta: porque, em determinadas situações, as de extrema separação entre os poucos ricos e os muitos não ricos, com alto culto aos objetos e violento estímulo ao desejo, uma parte da população explode em violência. O criminoso, neste sentido, não é vítima da desigualdade. Ele é o resultado nefasto de uma engrenagem. O que se quer? Evitar a violência? Por que não alterar a engrenagem?
Voltamos ao ponto anterior: por que se teria de fazê-lo? Em outras palavras, por que não se poderia ter paz, segurança e baixa criminalidade com muita desigualdade (vista como resultado dos esforços de cada um)?
Se a maioria dos não ricos ou até dos muitos pobres aceita a sua condição e luta bravamente pela sua vida, por que todos não poderiam fazer o mesmo? É uma perspectiva. Concretamente não tem sido assim. Por que não?
Porque não funciona. Não tem funcionado. É uma constatação. Pode-se conferir isso em séries de dados disponíveis. Uma parte da população, por razões diversas, não aceita o pacto proposto. O crime surge como um horizonte. É como o combate ao tráfico de drogas. Parece uma ideia correta. O resultado, porém, não tem sido convincente.
Não seria o caso de mudar a leitura do fenômeno?
Cite-se um país democrático, ou com pretensões a ser uma democracia, com altíssimo grau de desigualdade relativa (distância entre ricos e não ricos) e com baixa violência (taxa de mortes por cem mil habitantes/ano?
A violência é menor quando há homogeneidade: todos pobres; todos ricos; a maioria no meio da tabela.
O custo de uma sociedade com alto grau de desigualdade e baixo índice de violência é um aparato repressivo caríssimo e eficaz ou um sistema ideológico (de convencimento do lugar de cada um na sociedade) dispendioso.
A violência é fruto da impunidade ou da desigualdade?
Certamente desses dois fatores.
É possível resolver o problema pela punibilidade sem mexer na desigualdade?
É o sonho de alguns, de muitos.
Os países com baixa taxa de criminalidade e democracia indicam outro caminho, uma via que associa os dois termos da equação: a redução da desigualdade e o rigor nas punições. Curto, médio e longo prazo para quem não começou.
Não é a educação que conta mais?
Países com menos desigualdade tendem a ser muito fortes em educação.
Não se pode confundir educação com adestramento.
Não quero ir para Cuba, salvo pelo clima. Prefiro a Suécia.
Uma Suécia com clima tropical me cairia muito bem.
Não desejo a ninguém um ataque por bandidos.
Desejos a todos, inclusive aos que me desejam mal, paz e equilíbrio nas opiniões.
Sociedades altamente democráticas, com baixa criminalidade, muita educação e baixa concentração de riquezas, costumam não ter problemas com Direitos Humanos. A origem do contrato social é esta: cada um cede um pouco da sua liberdade para ter mais segurança. Não se dá o mesmo em relação à riqueza de uma nação?
Como diria o Padre Vieira, não tive tempo de ser breve.
Reprodução do blog do Juremir Machado da Silva, no Correio do Povo.
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