Com uma voz simpática, mas cansada, Marcelo Rodrigues, 49, conta como percebeu os primeiros sintomas da ELA (esclerose lateral amiotrófica). A voz enfraquece e ele faz pausas para recuperar o ar. Depois de 15 minutos de conversa, pede para desligar. Ele precisa descansar e usar um aparelho que ajuda na respiração. "Queria estar com mais fôlego."
Marcelo, assim como outros portadores da ELA ouvidos pela reportagem, relata dificuldades para conseguir a aposentadoria por invalidez, um benefício concedido pelo INSS. Médicos especialistas e a Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (Abrela) afirmam que, em muitos casos, os pacientes encontram barreiras até para obter o auxílio-doença.
No caminho para colocar o saco de lixo na rua, a perna desaparece. Ela, por alguns instantes, deixa de responder. Essa foi a primeira manifestação da ELA na vida de Marcelo e de sua esposa, Miralva Rodrigues, 51.
A fraqueza muscular costuma ser o principal sintoma da doença neurodegenerativa que mata os neurônios motores. Conforme o tempo passa, os músculos vão se tornando mais frágeis. Andar se torna difícil e, mais cedo ou mais tarde, um andador ou uma cadeira de rodas serão necessários. Para Rodrigues, atualmente, até usar o celular já não é tão simples.
A atrofia nos músculos se espalha pelo corpo e a ingestão de líquidos e a própria respiração ficam debilitados. Os pacientes começam a utilizar um pequeno respirador não invasivo, o bipap.
Após o diagnóstico, a taxa de sobrevida é de, aproximadamente, cinco anos. A morte costuma ocorrer por insuficiência ou infecções no trato respiratório, segundo especialistas. Stephen Hawking, famoso físico portador da doença, é um raro caso de longa sobrevida.
Pela falta de condição de trabalho e pelo pouco tempo que resta de vida saudável, os diagnosticados com a doença procuram o INSS em busca do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, dinheiro direcionado a pessoas sem condição de trabalho e que contribuíram para a previdência.
"O paciente vai, volta e não consegue o benefício. Há dificuldade de compreender que não é porque a pessoa está andando que ela não tem uma doença grave", afirma Hideraldo Cabeça, neurologista especialista em ELA.
Rodrigues já estava diagnosticado quando fez a primeira perícia que poderia resultar em sua aposentadoria. Na ocasião, somente o auxílio-doença foi concedido.
"O Marcelo perguntou por que não poderia aposentar, se ele estava morrendo. A perita falou que ele era muito novo", diz Miralva. Na perícia seguinte, quase um ano depois, ele se aposentou.
A "conquista" de Marcelo, contudo, não é uma regra. O supervisor operacional Filipe Cardena, 27, descobriu ser portador da doença há dois anos. Conseguiu, por um ano, receber o auxílio-doença. Depois disso, o benefício foi cortado. Ele anda com dificuldade e, para longas distâncias, utiliza a cadeira de rodas.
"Me deram como capacitado para trabalhar", afirma Cardena. "Eu perguntei para o meu médico se eu iria morrer mais rápido se voltasse a trabalhar. Ele foi bem direto ao afirmar que sim.
José Gomes, 55, passa por situação semelhante. Ele não consegue mais tomar banho sozinho e ainda não conseguiu a aposentadoria.
Segundo a Abrela, a concessão dos auxílios-doença tem demorado cerca de um ano e meio. Para aposentadoria, o tempo é o dobro. "A pessoa chega com crédito para outra vida", diz Cecilia Campos, da associação.
Antes do encerramento da reportagem, Rodrigues foi internado em um Centro de Tratamento e Terapia Intensiva e Cardena foi para um retiro espiritual em busca de cura.
OUTRO LADO
Segundo especialistas, muitas vezes o diagnóstico nas fases iniciais da doença pode ser difícil. Acary Oliveira, neurologista da Unifesp, cita o caso de uma paciente. "Há 4 meses, ela não tinha nada no braço. Hoje ela o levanta com muita dificuldade. Se o perito avaliar, ele acha que ela está perfeita."
Por isso, neurologistas acreditam que mais atenção deve ser dada à doença e que os benefícios, auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, devem ser agilizados, assim que houver diagnóstico.
A Associação Brasil Parkinson também relata dificuldades para obter auxílio-doença e aposentadoria.
O INSS afirmou, em nota, que as perícias são individualizadas e "apenas parte do processo de concessão de um benefício por incapacidade".
Segundo o órgão "a decisão pericial quanto à indicação de aposentadoria por invalidez perpassa pela caracterização de incapacidade total e permanente para o trabalho, em que não seja possível reabilitação profissional, considerando os atuais avanços científicos e tecnológicos da medicina, bem como dos tratamentos médicos."
O INSS também diz que "o perito considera não apenas o diagnóstico de ELA, mas o estágio evolutivo da doença e sua repercussão na atividade laboral."
O Ministério da Saúde afirma que "oferece assistência e medicamentos gratuitos aos pacientes com essa doença".
A Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social não havia se manifestado até o fechamento da reportagem.
Reportagem de Phillippe Watanabe na Folha de São Paulo.
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