sábado, 13 de agosto de 2016

Domingo em Curitiba

Há quem queira acreditar que eu teria tido a intenção de provocar o que aconteceu naquele domingo, 31 de julho, de manifestações. Difícil aceitar o que revelam as imagens, por isso as pessoas buscam justificativas para não colocar em risco convicções arraigadas. Sinto dizer, mas tudo ocorreu exatamente daquele jeito mesmo.
Passava eu pela beira de praça em Curitiba, em início de concentração para manifestação a favor do impeachment.
Sempre deixo a tranquilidade decidir aonde a rua 15 de Novembro vai me levar. Quando tem concerto da orquestra, vou direto pro Teatro Guairão. A feira do largo da Ordem, os encontros na Santos Andrade e no calçadão. O almoço em família. Caminhar pelo centro é uma tranquilidade, ruas vazias, gesto natural ao encontrar um sorriso pedindo atenção.
A não ser que alguém queira tirar proveito e enredar aquele gesto gratuito em uma armação para linchamento. Tudo ocorreu apenas por ser início de concentração para uma manifestação contrária ao meu posicionamento? Seria isso tão necessário para defender uma opinião? Destruir a imagem, a reputação, a vida de outra pessoa? Nenhuma real argumentação?
Parei para dar atenção a uma senhora, começamos a conversar quando chegaram suas companheiras. Quiseram me envolver, puxar e segurar para fotografar com o boneco do Lula presidiário, bandeiras etc.
Começaram a chamar pessoas, gritando que eu estava ali. Formou-se um grupo para me humilhar. Um senhor me jogou tinta, mesmo eu pedindo, por favor, que não o fizesse. Outros gritavam, xingando.
A polícia veio me proteger, a histeria crescia. Ao ver tantas câmeras em minha direção, com o intuito de me humilhar nacionalmente, liguei a minha como defesa. Seguiram assim até a entrada do meu prédio, onde preferi ficar e esperar a dispersão das agressões, antes de decidir o que fazer.
Quanto medo eles sentiram de que o meu pensar e falar destruíssem suas ilusões, simplesmente por eu existir e não ser o que pudessem controlar. Medo de uma mulher que exerce a liberdade de ser, de ir e vir, de criar o mundo que deseja a partir do diálogo -o sonho de um país com igualdade de direitos para todos.
Não sentia medo enquanto era atacada, sentia tristeza pelo abismo criado por tanta irracionalidade, pela impossibilidade do diálogo. Queriam me reduzir a um objeto mais conhecido, mais possível de registrar em suas mentes, sem reflexão, menos ameaçador.
Um ser humano é mais complexo, ouve, fala, tem nuances e sensibilidade. Um objeto, um bode expiatório, é menos misterioso, mais simples de lidar e justificar a existência de tanto ódio. Como se admitir integralmente sem criar um motivo externo para explicar a sombra que também somos?
Eu sinto muito pela prisão em que se encontram. A prisão do ódio é alucinógena. Distorce as intenções, cega a lucidez. O que resta é o desejo de destruição do outro. Mas não é possível destruir o que já existe, nem matando.
A única saída é transformar o que o medo vê como monstro em uma pessoa, um igual, com quem se possa conviver dignamente. Respeitar os limites da liberdade de expressão. Que sirva para alertar, convocar, convencer. Não impor, castrar, excluir.
É preciso uma governança muito sábia para lidar com a diversidade de nosso país. É preciso preservar os princípios democráticos. Nas discussões políticas da tribo Krahô, todos têm o direito de falar, ordenadamente, sem restrição. Dos mais simples aos mais sábios. Os sábios falam por último e dão os conselhos necessários para chegar à solução.
Jamais pretendi o que aconteceu naquele domingo. Semifebril, recuperando-me de um resfriado, queria apenas almoçar e mais tarde passar na manifestação contra o golpe, pela democracia.
Por esse princípio, de democracia, resisti, ao final de tudo, em frente ao prédio em que moro.
A democracia é nossa única chance de convivência saudável. Ninguém precisará ser impedido de caminhar na rua de sua casa, de conversar com um adversário de ideias, ninguém precisará mais sumir, ser exilado, preso, assassinado por seus posicionamentos, na história de nosso país, se a democracia for preservada.


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