sábado, 27 de agosto de 2016

Como após Copa, Brasil se autoengana com o sucesso da Olimpíada

Já há quem celebre ter o Brasil terminado na frente da Suíça, da Dinamarca, da Bélgica e da Suécia, como se isso tivesse algum significado.
O superintendente do COB, Marcus Vinícius Freire, foi ainda mais longe: reivindicou o 11º lugar para o Brasil, adiante da Holanda, pelo critério alfabético.
Ambos acabaram com o mesmo número de medalhas (19), e os holandeses com um ouro a mais, mas, você sabe, o H vem depois do B.
Como se vê, senso de ridículo anda em falta.
Estar adiante de países com IDH incomparavelmente melhor que o nosso revela apenas que a população brasileira é muito maior e que tais países dão mais importância ao esporte como fator de saúde pública do que para obter medalhas, opção óbvia também da maioria dos que terminaram à frente do Brasil, que ainda não sabe o que quer ser quando crescer em matéria esportiva.
O que já se sabe é que o governo interino pensa em cortar o Bolsa Atleta assim que for consagrado como permanente.
É conhecida a situação que se estabeleceu em 1996, depois da Olimpíada de Atlanta, quando o COB festejou a 25ª colocação, 11 posições adiante da Grã-Bretanha.
Tentou-se vender a ideia de que éramos melhores que os britânicos.
Esses trataram de demitir o ministro do Esporte, construir mais dois centros de excelência e, em 2000, em Sydney, recuperar seu lugar tradicional entre os dez primeiros, enquanto o Brasil caiu para 52º.
Caiu e não demitiu ninguém, ao contrário, continuou reelegendo Carlos Nuzman.
A Grã-Bretanha tinha todas as condições para seguir adiante, apenas havia bobeado na prospecção de talentos.
Nós vivemos de geração espontânea e nos surpreendemos com um Guga, com um Braz, ou com um Isaquias, sem que por isso o tênis, o salto com vara ou a canoagem se aproveitem de suas vitórias extraordinárias.
Repete-se agora o que se deu logo depois da Copa do Mundo.
O mundo gostou e isso basta, a outra face do complexo de vira-latas, que supervaloriza a opinião dos outros.
Com o tempo, quando o TCU parar de se queixar da falta de transparência do comitê organizador da Rio-16 e investigar para valer o que houve de superfaturamento e o que haverá de elefantes brancos, também a exemplo do que se deu na Copa do Mundo, o país verá a cor de rosa ser substituída por números em vermelho.
Pois não é que já houve até quem tenha escrito que o prefeito Eduardo Paes pode ter lá umas relações estranhas, mas merece elogios pelo que fez pelo Rio?
Quase o velho "rouba, mas faz" de sempre, mais aceito pela nossa elite do que o "rouba, mas distribui" do PT.
É óbvio que do ponto de vista esportivo a Rio-16 foi muito melhor que a Copa, porque, ao invés do 7 a 1, vieram as medalhas de ouro nos dois últimos dias do futebol e do vôlei, fecho emocionalmente brilhante para o ânimo do torcedor.
Do mesmo modo, ao contrário das pífias cerimônias de abertura e fechamento da Copa, as da Olimpíada foram belas, emocionantes e alegres, mesmo com o vendaval que assolou o Rio no encerramento.
Repita-se: a Rio-16 foi inesquecível e melhor que a encomenda.
O que não permite compará-la à de Londres.
Seria covardia.


Texto de Juca Kfouri, na Folha de São Paulo

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