domingo, 21 de agosto de 2016

Higiene, segurança, eficiência: não, obrigado

O mercado de peixe de Noryangjin é conhecido como o maior da Coréia do Sul e, para padrões de Seul, é uma construção antiga: um galpão de 1971. Em seus sessenta mil metros quadrados de corredores de concreto molhado sob luminárias em tons de sépia, há aquários com peixes e crustáceos, moluscos, lesmas marinhas, ovas e arraias. Muitos vivos – e alguns servidos assim, como o filhote de polvo que desce arrastando-se pela sua garganta. O preço é escrito à mão nos cartazes e vai mudando ao longo do dia.
Como poucos estão mortos (uma das atrações do mercado é justamente ver o vendedor cortar a cabeça do bicho ainda vivo antes de enfiá-lo convulsionando-se num saco plástico), Noryangjin é um mercado de peixes quase sem cheiro de peixe, apesar de barulhento e caótico como se espera. A graça para turistas coreanos e estrangeiros é, depois da barganha, levar as compras ao segundo andar – onde, como no mercado de Niterói, cozinheiros preparam o que você escolheu.
Mas, ao subir a escada na lateral da construção, encontro todos os restaurantes fechados como se abandonados às pressas, alguns com as mesas ainda postas, seus vidros pichados com mensagens em coreano que minha amiga traduz como "fechado pelo governo". E, nas paredes: "lutamos juntos".
Não demoramos para descobrir que, em março deste ano, os donos dos restaurantes e das bancas foram intimados pela Suhyup (Federação Nacional das Cooperativas de Pesca) a esvaziar o mercado e ocupar o prédio erguido ao lado, uma construção espelhada de meio bilhão de dólares que parece um aeroporto. Eles tiveram o fornecimento de luz e água cortados abruptamente e não houve negociação.
Fora dali, uma alegre baleia num cartaz nos indica o NOVO mercado de peixe para onde, apesar dos aluguéis mais caros e o espaço menor, não só os donos dos restaurantes, mas todos os comerciantes estão sendo coagidos a mudar-se. Porque é mais limpo, seguro e eficiente.
Entramos num shopping center de oito andares sem janelas com escadas rolantes, telões de LED anunciando ofertas e ar-condicionado. Mais um desses pesadelos sob luz fluorescente. A iluminação desses corredores de hospital é branca, assim como as paredes e os aventais dos poucos e melancólicos vendedores que aceitaram mudar-se para ali. Seus restaurantes ficam num corredor anódino depois de uma viagem de elevador. São todos genericamente iguais.
Higiene, segurança e eficiência: três belas desculpas usadas pelo capital para atropelar tradições e tentar desprover de qualquer caráter o melhor que as cidades do mundo tem para oferecer. Os velhos vendedores do velho mercado resistem, protestando a cada semana.
A seguir a ordem natural do novo século, vão perder.


Texto de J. P. Cuenca, na Folha de São Paulo

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