quinta-feira, 7 de julho de 2016

Trumpismo global

A força de Donald Trump nas eleições presidenciais norte-americanas vem causando rupturas dentro do próprio Partido Republicano. O trumpismo, como apontou um artigo no "Guardian" de 19/5/2016, seria uma miscelânea populista de nacionalismo com protecionismo.
Ao destoar do establishment de ambos os partidos, o caráter antiglobalização do discurso de Trump obtém forte apelo com uma parte da classe trabalhadora –em sua maioria branca– que vem sofrendo há mais de três décadas com os efeitos da desindustrialização e da ampliação das desigualdades no país.
A crise de 2008 certamente deu força ao fenômeno. Em parte pela elevação do desemprego, mas sobretudo pelo caráter simbólico do vultoso programa de resgate que salvou da quebra os principais atores do sistema financeiro, sem que houvesse punição severa para os responsáveis pelo colapso.
Apesar da necessidade concreta de conter o caos, o que grande parte da população norte-americana enxergou foi uma conspiração das elites para salvar alguns de seus membros, que rapidamente voltaram a receber altos bônus de final de ano, enquanto a classe trabalhadora ainda sofria com a perda de empregos e queda no valor de suas casas.
As contradições evidentes fizeram eclodir, ao mesmo tempo, o movimento Occupy Wall Street, que tomou as ruas de Nova York com o slogan "Nós somos os 99%", e o Tea Party, personificado no conservadorismo retrógrado de Sarah Palin.
A força da candidatura de Bernie Sanders nas primárias eleitorais deste ano pode ser vista como um reflexo do primeiro movimento, que questiona o sistema econômico em vigor por suas consequências nefastas sobre as desigualdades de renda. Já a resposta anti-imigratória dada à época pelo Tea Party pode ter ampliado o apoio atual à candidatura mais pragmática de Trump.
Em entrevista recente sobre o Brexit, após discorrer sobre os danos econômicos causados pelo desenho institucional da União Europeia, Mark Blyth, professor de ciência política na Universidade Brown, foi categórico: "Mas não é disso que se trata. É trumpismo. Todos têm sua própria versão".
Segundo Blyth, de Gerhard Schröder na Alemanha a Tony Blair no Reino Unido, os governos de centro-esquerda dos últimos 25 anos teriam deixado de prover "o abraço caloroso da social-democracia".
Em vez da solidariedade com a classe trabalhadora, teriam assumido uma posição de exclusão e policiamento da população mais pobre em nome da segurança dos mais ricos em suas vizinhanças e escolas particulares.
As escolas públicas, para as quais as elites já não querem pagar impostos, continuaram acolhendo os que estão na base da distribuição da renda. Após 20 anos de exclusão, o discurso de que a globalização acabaria compensando a todos igualmente teria perdido a eficácia, causando revolta na classe trabalhadora. Não contra a União Europeia, e sim contra o 1% mais rico da população.
A eventual migração de votos do democrata Bernie Sanders para o republicano Trump ou o apoio ao Brexit pelos mais vulneráveis na economia inglesa podem indicar que estejamos, como nos anos 1930, à sombra de um vulcão.
Franklin Roosevelt deveria ter nos ensinado que quem não garantir a renda, o emprego ou a qualidade de vida dos mais pobres pode sofrer com alternativas racistas, xenofóbicas e autoritárias.


Texto de Laura Carvalho, na Folha de São Paulo

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