Não se deve esperar das raposas que cuidem do galinheiro. Ainda mais na granja do patrimônio público. O presidente interino, Michel Temer (PMDB), parece não ver problema algum nisso e anda distribuindo postos-chave a raposas de notória carreira.
Na Petrobras, Nelson Luiz Costa Silva foi nomeado consultor sênior de Estratégia. Poderia passar como uma nomeação qualquer se Nelson não tivesse vindo dos quadros da BG/Shell, a maior concorrente da empresa pública na exploração do pré-sal. E não era qualquer um: ele simplesmente presidiu o BG Group no Brasil até o início deste ano, quando houve a fusão com a Shell.
A BG/Shell detém 20% de participação no campo de Libra, o maior do pré-sal. Seu executivo ajudará agora a definir as estratégias do Estado brasileiro em relação ao petróleo. A quem servirá? À Shell ou à Petrobras? Talvez à Petrobrax.
Em qualquer parte, a nomeação de Nelson Silva seria tratada com uma acinte à soberania nacional sobre os recursos energéticos. No mínimo, como um caso grave de conflito de interesses. Por aqui, apenas a FUP (Federação Única dos Petroleiros) denunciou. Fez-se retumbante silêncio na grande imprensa.
Na verdade, já naturalizaram ante a opinião pública esta porta giratória, na qual as raposas transitam livremente entre o papel de devoradoras de galinhas e o de supostas zeladoras.
Nelson Silva, é claro, não é o único. Henrique Meirelles, atual ministro da Fazenda e presidente do Banco Central sob Lula, é oriundo do Bank Boston. O famigerado Joaquim Levy, ministro de Dilma, veio do Bradesco. Essa porta gira há muito tempo.
Mas o interino parece não ter freios em relação a isso. Além de Nelson Silva e Meirelles, há outros casos emblemáticos. Podemos falar de Ilan Goldfajn,indicado para a presidência do Banco Central, que saiu diretamente –sem qualquer quarentena– da posição de economista-chefe do banco Itaú. O que levou o senador Roberto Requião (PMDB-PR), na sessão que aprovou seu nome, a questionar se "o voto seria no sistema do Senado ou se poderia votar pelo site do Itaú".
No currículo de Goldfjn estão passagens pelo Gávea Investimentos, de Armínio Fraga, e pela direção da chamada Casa das Garças, famosa oficina neoliberal do Rio de Janeiro, onde banqueiros e seus economistas confraternizam os juros altos. Francamente, é possível esperar que as políticas monetárias do BC sob seu comando contrarie algum interesse dos bancos?
Mas Michel Temer não parou por aí. Quem visse as primeiras declarações desastradas de Ricardo Barros, alçado a ministro da Saúde, poderia pensar que se tratava de um simples arrivista. Engano, trata-se sim de outra astuta raposa.
O homem agora responsável por dirigir o SUS (Sistema Único de Saúde) e as políticas de saúde no Brasil teve como maior financiador de sua última campanha eleitoral ninguém menos que o presidente da Aliança, administradora de planos de saúde.
Nada discreto, fez questão de mostrar a quem serve. Falou em reduzir o SUS e propôs a ampliação dos planos privados. Disse ainda que não cabe ao Estado controlar a qualidade dos planos. E que o grande problema é a judicialização dos clientes contra as empresas privadas de saúde.
Sim, exatamente. Os planos não cumprem com serviços estabelecidos em contrato, atrasam consultas e cirurgias, fazem cobranças indevidas e o problema são os clientes que entram na Justiça para assegurar seu direito. Esse é o ministro da Saúde.
Conduzido ao poder por manobras sombrias, sem a legitimidade do voto popular, Michel Temer também será lembrado como aquele que entregou o Estado brasileiro ao desmando das raposas. As galinhas, não se esqueçam, somos nós.
Texto de Guilherme Boulos, na Folha de São Paulo.
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