Coincidência ou não, duas estrelas de distantes escândalos em concorrências públicas emergem ao mesmo tempo, em casos separados, da Lava Jato para o noticiário. Não por coincidência, mas pela mesma tradição, a empreiteira agora citada como uma das figuras estelares era coautora e beneficiária, entre outras, das concorrências corrompidas.
Márcio Fortes "surge nas negociações das delações premiadas das grandes empreiteiras", como noticiou Mônica Bergamo, na condição de intermediário de ao menos um político e empresários –todos sabemos para quê. É a função que teve na montagem daquelas concorrências, o que está bem explicitado em atas de reuniões, com sua presença, escritas na empreiteira e preservadas fora dela (não era uma só a fazê-las).
Responsável no governo Dilma Rousseff pelos leilões de aeroportos para consórcios privados, Moreira Franco –noticiou "O Estado de S. Paulo"– aparece em numerosas mensagens trocadas com o então presidente da empreiteira Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo. Seu assunto: a privatização do aeroporto internacional de Confins, junto a Belo Horizonte. Moreira reúne-se com dirigentes da empresa mineira na própria casa de um deles. A Andrade ficou com Confins. Como esperado, Moreira Franco nega a notícia e qualquer irregularidade no leilão.
Negou-as também, quando governou o Estado do Rio, nas numerosas licitações das obras do metrô, do grande complexo Marajoara de abastecimento de água, do Palácio da Polícia, por exemplo. Fraudes, todas, comprovadas aqui mesmo, com a publicação antecipada e camuflada de cada resultado. Houve inquéritos, inclusive na polícia estadual, mas para não chegar a resultado. Todas aquelas concorrências, porém, precisaram ser anuladas. Algumas para sempre.
Depois de longo sumiço, Moreira Franco reapareceu como ministro da Secretaria de Aviação Civil, no governo Dilma, a pedido de Michel Temer. Foi uma das nomeações mais inadmissíveis de Dilma, que não podia, de qualquer ponto de vista, desprezar o histórico implícito na indicação. No Planalto, Michel Temer confirma sua identificação com Moreira Franco: deu-lhe, em seu governo, o encargo das privatizações, das concessões e das parcerias com os interesses privados. O equivalente a certo paraíso.
O governo Moreira Franco e suas licitações estouradas deram-se na passagem dos anos 1980 para os 90. Lembrando-as há pouco no "Jornal da Band", a propósito das empreiteiras na Lava Jato, Ricardo Boechat citou aquela fase com a fraude revelada da Ferrovia Norte-Sul, para esta conclusão: se aquelas fraudes fossem punidas, não haveria a corrupção movida pelas empreiteiras nesses anos todos, e que se mostra em parte na Lava Jato. Uma constatação que mostra a responsabilidade, também, das chamadas "autoridades competentes", embora nem tanto.
Caso mais rumoroso, a fraude na Norte-Sul teve um inquérito da Polícia Federal acompanhado por um procurador. A PF ciscou para um lado e outro, mas o procurador, de início muito hostil ao trabalho jornalístico e ao próprio jornalista, no fim concluiu pela necessidade de denúncia criminal e processo contra autores e beneficiários da licitação fraudada. O inquérito foi mandado para o Rio. O (ex-)procurador Juarez Tavares enfurnou-o. Passado um ano, o então procurador-geral Sepúlveda Pertence despachou-o em silêncio para o arquivo morto. Foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal.
PROFUNDO
Em reunião com a Frente Parlamentar da Agropecuária, Michel Temer, diante do interesse dos presentes no problema da terras indígenas, inspirou-se para este comentário filosófico: "É uma coisa muito curiosa, essa questão das terras indígenas...". E, de volta, informou presidencialmente: "Vamos tentar solucionar esse problema".
Questão original? É trágica, é de sangue e morte, de crime e impunidade, de roubo e riqueza. Original? Michel Temer votou na Constituinte contra os temas sociais, trabalhistas e humanitários.
Reprodução da coluna de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo.
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