Em outubro de 2012, lembro de ter dito à minha analista como eu estava madura. Eu agora podia fazer sexo sem amor! Era um homem bonito, mas algo do seu rosto me incomodava: talvez o grande zigomático fosse muito grande. Tinha uma voz rouca, mas, por causa do catarro seco dando gravidade a tolices, eu sabia que não me apegaria. Tinha um cabelo bom de enfiar os dedos, mas, pela necessidade em se mostrar com extrema mobilidade urbana, fedia a rua.
Algumas semanas depois que transamos, eu tinha tanta certeza que não estava apaixonada que o chamei pra almoçar. Eu queria, à luz das transparências e cruezas, olhar bem no fundo dos seus olhos, com o mais profundo dos meus, e dizer ao cosmos: veja como posso ter uma ótima noite com um homem bacana e não esperar nada! A verdade é que nem tinha sido tão boa e nem ele era excepcional. E eu nem lembrei de olhar muito pra sua cara, estava mais preocupada em comer e seguir com a vida.
Aconteceu que alguns meses depois, não tendo mais notícias suas, senti saudade da mágica sensação de minha gritante maturidade. Senti falta urgente e dilacerante da certeza libertadora de poder jantar com um homem tão sensacional, cujo beijo avassalador tinha cruzado pra sempre as fronteiras do desenho da minha boca –e não sentir nada. E quis, apenas pra possuir novamente tamanho poder, tê-lo por perto e, então, negá-lo. Faltando poucas horas, ele desmarcou. Experimentei algo como um cano de pistola indo do meu ânus até a goela mas, lembrei, estava tudo bem porque agora eu era muito madura. Agora eu podia me esfregar nua em um homem tão gostoso e interessante, sem esperar nada nem dele, nem do fato de ter sido tão maravilhoso. Até porque eu nem tinha ficado totalmente nua e nem tinha dado tempo de me esfregar muito. Ele definitivamente não era tudo isso e boa é a memória da gente, os homens são sempre médios.
Passado um ano e quatro meses, alguém me contou. Então aquele homem razoável com quem eu tinha transado uma única e esquecível vez, se casaria? Tive vontade de vomitar todo o café da manhã e me jogar no chão para ver se com o impacto o oxigênio voltava a circular normalmente, mas podiam ser apenas gases e/ou sinusite. À noite eu ainda estava pensando nisso e continuei pensando nisso por muitos dias. Pensei nisso por ininterruptos sete meses. Foi quando decidi que, pra ter mesmo certeza da minha indiferença, precisávamos transar novamente.
Acabado o ato do amor –e, perdão, escrevi amor apenas pra ser cínica– nos despedimos com certa frieza, que, por conta de minha maturidade e vida atribulada, não me doeu em absoluto. Era então certeza que consigo transar com um homem lindo e genial e com essa voz espetacular e não sentir nada. Até porque todos esses elogios são piadas. Ele era meio gordo, tinha voz de velho cansado e só sabia replicar frases célebres de intelectuais mortos. Não é o tipo de sagacidade que me pega.
Ontem o encontrei com um bebê no colo, andando pela rua Harmonia. Tive vontade de vomitar todo o almoço e bater com a cabeça no asfalto, pra ver se com o impacto minha pressão voltava ao normal. Mas podiam ser apenas AVC e/ou sinusite. Tive vontade de dizer: eu amava tudo em você e estou falecida de ciúmes brutais todos esses anos. Mudaria de país e de cabelo e de signo por você. Mas como tudo isso seria de um sarcasmo descomunal, apenas dei seta pra esquerda e digitei "jazz" no Spotify. Cantarolei.
Texto de Tati Bernardi, na Folha de São Paulo.
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