O impeachment em curso contra a presidente Dilma Rousseff é uma construção narrativa. Depende de quem narra e de qual o ponto de vista adotado. De certo modo, o impeachment só não é golpe para quem o defende. As bases legais do impeachment não param de se esboroar. A solidez é um cubo de gelo.
Vejamos a sequência:
No programa Esfera Pública, da Rádio Guaíba, o ministro Osmar Terra (PMDB) declarou que o afastamento da presidente se deu mais pela “conjunto da obra” e menos pelas pedaladas.
A senadora Rose de Freitas (PMDB), líder do governo no Congresso Nacional, integrante da Comissão de Orçamento, disse que “não teve esse negócio de pedaladas”, mas sim um governo paralisado.
O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, afirmou que o Supremo legitimou, ao regrar o rito, “um pouco” o impeachment. Ou seja, em parte. Ao julgar a regra, deu ares de de legitimar o resultado.
O jornalista veterano Elio Gaspari escreveu: há golpe, no sentido de armação, manipulação, jogo.
Augusto Nardes, ministro do Tribunal de Contas da União, citado na Operação Zelotes, relator das contas rejeitadas por causa das pedaladas, diz agora que as pedaladas não são o mais importante no processo de impeachment, mas sim os decretos de suplementação de créditos.
A comissão de perícia do Senado, que o relator do impeachment, o tucano Antonio Anastasia, queria evitar, foi categórica: nos documentos, não há indício de responsabilidade de Dilma nas pedaladas.
Pode ter-se omitido, não há indícios de que agiu.
A hipótese da omissão é o último recurso da falta de provas.
A mesma comissão de perícia informa que, na longa cadeia dos decretos suplementares, a presidente não foi alertada pelos elos responsáveis de qualquer irregularidade. A comissão não julga. Faz o que os senadores deveriam fazer e, antes deles, os deputados: posiciona-se com base nos documentos.
Dilma não pode ser afastada por má gestão, pois não está na regra do jogo.
Não pode ser derrubada pelo “conjunto da obra”, pois esse elemento não está no processo.
Não pode ser apeada por corrupção, pois não é formalmente acusada e, no processo em curso no Senado, corrupção não faz parte das imputações em investigação para julgamento.
As pedaladas acabaram.
Restam os decretos suplementares.
O Congresso Nacional validou os decretos de Dilma no final de 2015.
Vai o Senado derrubar Dilma Rousseff, num arrependimento ou num esquecimento do que fez em plena luz do dia ou sob os holofotes da noite, pelo que ajudou a legitimar há menos de seis meses?
Dilma será afastada por, na versão dela, ter realocado recursos sem aumentar gastos?
Vai cair por ter alterado a meta fiscal, ou seja, a previsão de superavit primário, isto é, a economia de recursos às custas do povo para pagar juros extorsivos a banqueiros estrangeiros?
Seria essa a versão do entreguismo hipermoderno?
Dilma Rousseff cairá, do ponto de vista das razões não ditas e dos elementos restantes no processo, por não ter entregue o Pré-Sal às petroleiras internacionais e por ter economizado pouco para bancar agiotas internacionais? O julgamento só é político por ser feito por políticos. A base do julgamento continua jurídica: de que é acusada a presidente? Qual a prova de que cometeu crime de responsabilidade?
É crime de responsabilidade, no meio da crise, poupar menos para pagar credores abusivos?
A crise internacional não foi vista como razão para a bancarrota brasileira, mas passou a ser citada, pela mídia em campanha contra Dilma, para justificar a derrocada do Rio de Janeiro.
Se a razão do impeachment é a corrupção, como pode Dilma ter sido substituída por um governo citado, acusado ou investigado por corrupção, a começar pelo presidente em exercício?
Aos que possam ver neste texto uma defesa ideológica, um alerta: este é uma defesa da coerência.
E da legalidade rigorosa.
Julgar por uma coisa e condenar por outras é trapaça.
Forçar a Constituição.
Golpe como simulacro de legalidade.
Texto de Juremir Machado da Silva.
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