domingo, 17 de julho de 2016

Os hábitos dos outros

"Eu não posso imaginar como este lugar ficaria. Não posso imaginar o que seria do país. Eu não quero nem pensar nisso."
Gilmar Mendes pensando em voz alta no que aconteceria se Dilma Rousseff voltasse ao Planalto? Não. Era a juíza Ruth Bader Ginsburg, da Suprema Corte dos EUA, falando nesta semana sobre a possibilidade de Donald Trump chegar à Casa Branca.
Nos Estados Unidos, são raríssimas as ocasiões em que os juízes da Suprema Corte falam em público. Às vezes eles fazem palestras aborrecidas, em ambientes acadêmicos. A maioria jamais dá entrevistas. Expressar opiniões políticas, como Ginsburg fez, é algo que nunca se vê.
É muito diferente do que acontece no Brasil. A falta de cerimônia do ministro Gilmar Mendes não espanta mais ninguém. Nem o fato de que ele está longe de constituir uma exceção no Supremo Tribunal Federal.
Ginsburg, que está com 83 anos, teme uma guinada reacionária na Suprema Corte se Trump for eleito e puder nomear juízes conservadores como ele quando liberais como ela saírem de cena. As declarações da juíza provocaram escândalo. Analistas chegaram ao ponto de sugerir que ela se declare impedida de julgar ações de interesse do Executivo no futuro, se Trump virar presidente.
Acostumados a acompanhar discussões acaloradas do STF ao vivo pela televisão, os brasileiros estranham os hábitos americanos. As sessões em que a Suprema Corte ouve os advogados das partes antes de decidir são públicas, mas câmeras são proibidas. Os juízes depois se reúnem a portas fechadas para debater, publicam suas decisões e silenciam.
Mas esse ambiente também produz cenas que dão inveja. Em fevereiro, quando morreu o juiz Antonin Scalia, líder da ala conservadora do tribunal, poucos sentiram mais sua falta do que a liberal Ginsburg. Discordavam quase sempre, mas achavam que aprendiam com isso, e iam juntos à ópera depois. "Éramos os melhores amigos", ela escreveu.


Texto de Ricardo Balthazar, na Folha de São Paulo

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