Em livro, Pedro Juan Gutiérrez relata perseguição a gays em Cuba
SYLVIA COLOMBO
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
Outubro de 1962. Na cidade de Matanzas, em Cuba, um grupo de garotos e seus professores montam guarda na escola. Alguns trouxeram garrafas térmicas cheias de café com leite, mas que não eram suficientes para matar a fome durante os longos turnos em que ficavam acordados, alertas, a noite inteira.
Dois desses meninos eram o escritor Pedro Juan Gutiérrez, 66, e seu amigo Fabián, protagonista de "Fabián e o Caos", novo romance do autor de "Trilogia Suja de Havana", baseado em suas memórias de adolescência e juventude.
"O que estava ocorrendo era nada menos do que a Crise dos Mísseis, mas nós não tínhamos a dimensão do que era aquilo. Apenas nos disseram que os norte-americanos iam nos atacar e que nós tínhamos que proteger a escola. Então passávamos a noite ali, no telhado, no escuro, felizes, patrióticos e ingênuos, como se fosse possível salvar Cuba de um ataque aéreo dos EUA com uma guarda de meninos assustados."
É assim, entre o riso e a nostalgia que Gutiérrez se refere aos acontecimentos de sua vida e de seu país nos anos 60 e 70, no período pós-Revolução Socialista (1959). Diferentemente de outros livros do autor, "Fabián e o Caos" traz uma história muito triste e melancólica, a das pressões e perseguição sofridas por um de seus melhores amigos pelo fato de ser gay.
CARNE ENLATADA
Como é sabido, a Cuba pós-revolucionária reprimiu fortemente os direitos individuais, entre eles a homossexualidade, levando muitos cubanos a exilar-se, quando conseguiam escapar da prisão.
No livro, Gutiérrez conta como a chegada da revolução não o entusiasmou logo de cara. E que ele preferia se concentrar em seu mundo particular, onde colecionava selos, compunha boleros e se masturbava vendo fotos de Brigitte Bardot.
O jovem Gutiérrez não podia ser mais diferente que seu amigo, Fabián. Enquanto o autor tinha um porte atlético e era um sedutor de mulheres dado aos vícios da noite, Fabián era um tímido pianista míope, tentando encontrar seu espaço numa sociedade machista e violenta.
O jovem pianista foi preso e sumiu da vida de Gutiérrez por um tempo, até que ambos se reencontraram numa fábrica de carne enlatada destinada a párias da revolução.
"Há mais de 20 anos, desde que Fabián se matou, tento escrever essa história. Quando você quer falar de alguém que se suicidou, surgem muitas questões éticas, pessoais. Mas além disso, tive de refletir sobre o que foi para mim mesmo esse período. Esta é uma história de pessoas que não eram heróis", resume.
A trama se passa em Matanzas, cidade a 100 km de Havana, onde o escritor nasceu e cresceu. Até o começo da adolescência, o menino Gutiérrez ia à escola, lia HQs e vendia sorvetes aos sábados. Até que, após 1959, as HQs e os sorvetes foram proibidos, por serem norte-americanos.
"Eu ficava perambulando pela cidade e me encontrei na biblioteca. Comecei a ler desordenadamente. Até que topei com 'A Metamorfose'. Me assustei tanto com aquele começo que só voltei a Kafka depois dos trinta anos, mas o susto foi o suficiente para me despertar para a literatura."
Assistir ao sofrimento de Fabián despertou Pedro Juan para uma crítica à revolução. "Eu sofria muito pela grande injustiça pela qual ele passava. As proibições iam sendo cada vez mais excessivas. Esse livro conta isso. Eu não fui um observador da revolução, eu a vivi, sou um protagonista. Eu tinha de resolver a história desse período, o que ele significou para mim, e o fiz por meio desse romance."
Ele compara as motivações e impulsos para cada um de seus projetos. Enquanto "Fabián e o Caos" tomou mais de duas décadas de reflexão antes de ser executado, a obra pelo qual ficou mais conhecido ("A Trilogia Suja de Havana") "não obedeceu a nenhum projeto intelectual, eu a escrevi bêbado pelas madrugadas, diria até que é algo que se escreveu sozinho."
Hoje, Gutiérrez vive no centro de Havana, apesar de passar algumas temporadas na Espanha. Dos mais de 20 títulos do autor, que incluem prosa e poesia, já saíram seis títulos em Cuba, e os próximos estão planejados.
Enquanto alguns artistas cubanos expressam certa preocupação com o impacto da indústria cultural norte-americana, após a reaproximação dos países, Gutiérrez vê aí um bom movimento.
"Cuba precisa entrar na modernidade, ter vários canais de TV e editoras. Não podemos achar melhor um país que tenha poucas opções culturais, em que existam literaturas ou cinematografias proibidas. Temos que ser um país normal."
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FABIÁN E O CAOS
Autor Pedro Juan Gutiérrez
Tradução Paulina Wacht e Ari Roitman
Editora Alfaguara
Quanto R$ 44,90 (195 págs.)
Autor Pedro Juan Gutiérrez
Tradução Paulina Wacht e Ari Roitman
Editora Alfaguara
Quanto R$ 44,90 (195 págs.)
Reprodução da Folha de São Paulo.
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