terça-feira, 2 de julho de 2013

Pagar por sexo na Suécia dá cadeia


Não é um bom lugar para se esperar. A rua é larga, ventosa e pouco iluminada. O tempo também não ajuda. Faz frio e a noite é desagradável, úmida. Mas ela não parece se importar. Agita o rabo-de-cavalo louro e fecha um pouco mais o colete de couro branco que usa sobre uma peça preta de gola rulê, combinando com as calças e as botas.
Segura um telefone ligado a fones sem fio. Fala por alguns segundos e volta a percorrer a calçada, de um lado para o outro. A confluência entre Malmskillnadsgatan e Master Samuelsgatan. Apenas uma esquina. Uma faixa de cimento em pleno centro de Estocolmo, a dois passos da área comercial, que é sinônimo de prostituição. O pouco que resta à vista na capital da Suécia, país que desde 1999 pune quem pagar para obter serviços sexuais.
Ali, as estradas não são margeadas por clubes. E se há contato de compra e venda não é feito sob a luz dos neons. Para os clientes não é fácil: se forem descobertos, arriscam-se à pena de um ano de prisão ou uma multa elevada. A premissa sueca é que se não houver demanda não haverá oferta. Um modelo que esse país defende e exportou para outros como Noruega, Islândia e Cingapura. Agora, França e Irlanda estudam seguir seus passos. A cidade espanhola de Valência também deu luz verde há alguns dias para uma norma municipal que prevê sanções para os clientes, mas não para as prostitutas.
Na Suécia, desde que a lei entrou em vigor, cerca de 5.700 pessoas --todos homens, com raras exceções-- foram detidas por comprar sexo ou tentar. Deles, pouco mais da metade foi condenada, mas nenhum entrou na prisão. Escaparam das grades pagando multas de pelo menos um terço de sua renda durante dois meses.
"Não se trata só de condenações. A lei busca uma mudança social, servir de exemplo. E está conseguindo", afirma a delegada Kajsa Wahlberg, relatora nacional contra o tráfico de pessoas com fins de exploração sexual. Dez anos depois que a lei entrou em vigor, o número de compradores de sexo havia diminuído de 13,6% para menos de 8% da população, segundo dados do Instituto Sueco. E embora a norma --que mais de 70% da população apoiam-- não tenha conseguido trancafiar os clientes, levou a uma redução palpável da prostituição de rua: antes da lei, cerca de 600 mulheres trabalhavam nas ruas de Estocolmo diariamente; hoje não passam de dez, segundo estimativas da polícia.
A mulher do rabo-de-cavalo louro é uma delas? Subiu em um carro vermelho que seguiu em direção a uma autopista. Só trocou algumas palavras com o motorista. É possível que seja um amigo ou parente. Mas também pode ser que o homem tenha contatado com ela na internet e a tenha apanhado na rua. Porque na Suécia os bordéis se transferiram para a rede. Uma realidade da qual as autoridades estão conscientes e que a associação Rose Alliance, uma das poucas vozes que censuram publicamente a norma, considera efeito da lei. Essa organização de antigas trabalhadoras sexuais afirma que a prostituição hoje é menos visível e portanto menos segura; e que a regulamentação contribui para estigmatizá-la. "Existem mulheres que se dedicam a isso voluntariamente. Há exploração e tráfico, mas nem todas são vítimas", dizem.
Patrick Cederlöff, coordenador nacional contra o tráfico, discorda. Antes de ocupar esse cargo, esse homem musculoso de cabelo raspado passou anos trabalhando nos serviços sociais de Estocolmo. Desde então, comenta, acredita mais firmemente que a prostituição --que na Suécia é exercida sobretudo por mulheres do Leste Europeu, da Tailândia ou da Nigéria-- não é uma opção "realmente livre".
"Sob essa ideia se esconde a vulnerabilidade, a pobreza. E também o tráfico e a exploração sexual", diz. Cederlöff desmente que a lei --que habilitou meios como telefones anônimos para denunciar quem paga por sexo-- tenha empurrado as mulheres para a clandestinidade dos hotéis ou apartamentos; e para os anúncios na web. Responsabiliza pela mudança principalmente as novas tecnologias.
As autoridades também avançam por aí. Uma equipe de policiais especializados rastreia a rede dia e noite em busca desses anúncios que lhes permitirão prender cafetões e clientes. Seus escritórios estão na chefatura central da polícia de Estocolmo, muito perto da delegacia de Wahlberg, cautelosa com tudo o que signifique mostrar esse trabalho em campo. É uma mulher alta e enérgica, de olhos azuis e cabelo louro curto. Antes de ser relatora, investigou crimes sexuais como inspetora da polícia judicial. "O comércio sexual é um meio favorável para o crime organizado. Permanece subterrâneo, movimenta enormes quantidades de dinheiro e através dele os proxenetas e as redes de tráfico lavam milhões."
A seus olhos e aos da lei sueca, alguém que paga por sexo não só atenta contra a dignidade das mulheres como também contribui para que essa arquitetura criminosa prolifere. Desde que a lei entrou em vigor, cerca de 200 pessoas foram condenadas por proxenetismo na Suécia. Cerca de 40 por tráfico de seres humanos com fins de exploração sexual, desde 2002, quando foi incluído esse crime que implica trasladar a pessoa por meio de enganos, coação ou à força para explorá-la.
Assim como ocorre na Espanha, não é fácil que as mulheres que foram exploradas deponham contra seus carrascos. Para apoiá-las e fomentar essa colaboração, explica Ulrika Rosvall, especialista do Instituto Sueco, o governo tem programas de acolhimento e reinserção social --e também programas para conscientizar os clientes. Também oferece para elas a oportunidade de voltar a seus países com o projeto Safe Trip (Viagem Segura), coordenado por Cederlöff e que se apoia em ONGs locais, que trata de que as mulheres possam retornar sem temor de que sejam encontradas, ou suas famílias, pelos que as exploravam.
A comissária Wahlberg explica que a Suécia deu um passo além: buscou inclusive uma solução específica para as nigerianas, que muitas vezes são subjugadas pelo medo atroz do vodu com que as máfias as ameaçam. Agora as autoridades suecas colaboram com "pessoas capazes de desfazê-lo", afirma a relatora. Não é só encurralar os clientes. Trata-se de cobrir todos os buracos, diz.

Modelos jurídicos

Na Europa convivem três modelos de regulamentação da prostituição: o chamado exemplo sueco, abolicionista; o holandês, legalista; e as normas que só proíbem o proxenetismo, como na Espanha.
• A Suécia penaliza desde 1999 todo aquele que pague para ter sexo. Foi pioneira nesse modelo jurídico, que dez anos depois foi copiado por Islândia, Cingapura, Israel e parte da Coreia. A Noruega também, com uma novidade: são processados os que fazem turismo sexual.
• Finlândia. Pune a compra de serviços sexuais, embora só aqueles em que a prostituta seja vítima das redes de tráfico humano.
• Holanda e Alemanha. São o modelo oposto; ali, a compra de serviços sexuais não é punida, e sim permitida em determinadas zonas e lugares. Na Holanda as prostitutas pagam impostos, têm direitos e obrigações.
• Espanha. A prostituição é ilegal. Alguns decretos municipais, como o de Barcelona, penalizam tanto clientes quanto prostitutas. Outros, como em Valência, seguem o modelo sueco e punem só o comprador de sexo.


Maria R. Sahuquillo, para o El País, reproduzido no UOL. Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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