segunda-feira, 22 de julho de 2013

Empresas de moda ignoram custo ambiental de fábricas de Bangladesh

Nos piores dias, o cheiro tóxico que paira sobre a Escola Primária Estadual de Ganda é quase sufocante. Os professores lutam para se concentrar, como se estivessem se asfixiando. Os alunos muitas vezes ficam com tontura. Alguns meninos desmaiaram no final de abril. Outro vomitou na sala de aula.
O odor vem de um canal poluído que fica atrás da escola, onde as fábricas locais despejam suas águas residuais. A maioria das fábricas são de vestuário, indústrias de tecidos e fábricas de tingimento que fazem parte da rede de abastecimento que exporta roupas para a Europa e Estados Unidos. Os alunos podem ver quais as cores que estão na moda, olhando para o canal.
"Às vezes fica vermelho", disse Tamanna Afrous, professor de Inglês da escola. "Ou cinza. Às vezes fica azul. Depende das cores que estão usando nas fábricas."
Há quase três meses, o edifício industrial Rana Plaza desabou, matando mais de 1.100 pessoas, num desastre que expôs os riscos da fórmula de baixo custo que tem tornado Bangladesh o segundo maior exportador de roupas do mundo, depois da China, e um favorito de empresas como o Wal-Mart, JC Penney e H&M. Essa fórmula depende de pagar os salários mais baixos do mundo e, em algumas fábricas, gastar o mínimo com as condições de trabalho e a segurança.
Mas isso normalmente também significa ignorar dispendiosas regulações ambientais. As indústrias têxteis e de vestuário de Bangladesh têm contribuído fortemente para o que os especialistas descrevem como um desastre de poluição da água, especialmente nas grandes áreas industriais de Daca, a capital do país. Muitos arrozais estão inundados com água de resíduos tóxicos. Populações de peixes estão morrendo. E muitos canais menores estão ficando cheios de areia e lixo, à medida que desenvolvedores vendem terrenos para fábricas ou habitação.
Danos ambientais geralmente acompanham a rápida industrialização dos países em desenvolvimento. Mas Bangladesh já é um dos lugares mais ambientalmente frágeis do mundo, densamente povoado mas entrecortado por sistemas fluviais, com um labirinto de zonas úmidas de baixa altitude que levam até a Baía de Bengala. Enqaunto a poluição ameaça a agricultura e a saúde pública, Bangladesh é profundamente vulnerável às alterações climáticas, como o aumento do nível do mar e mudanças nos padrões climáticos, que poderiam deslocar milhões de pessoas e reduzir drasticamente as colheitas.
Em Savar, subúrbio industrial de Daca e no local do colapso do prédio Rana Plaza, algumas fábricas tratam seus efluentes, mas muitas não têm estações de tratamento ou optaram por não fazê-lo para economizar água e luz. Muitos dos canais de Savar ou zonas úmidas se tornaram verdadeiras lagoas de retenção de resíduos industriais sem tratamento.
"Veja, não é só em Savar", disse Mohammed Abdul Kader, que se tornou prefeito de Savar desde que seu antecessor foi suspenso logo após o desastre do Rana Plaza. "O país inteiro está sofrendo com a poluição. Em Savar, temos muitos coqueiros, mas eles não produzem mais cocos. A poluição industrial está prejudicando nossas populações de peixes, nossa produção de frutas, nossas hortaliças".
Bangladesh tem leis para proteger o meio ambiente, um ministério nacional do meio ambiente e novos tribunais especiais para casos ambientais. No entanto, a poluição está aumentando, e não diminuindo, dizem os especialistas, em grande parte pro causa da poder político e econômico da indústria.
Curtumes e indústrias farmacêuticas também fazem parte do problema, mas as fábricas de tecidos e vestuário, um dos pilares da economia e fonte crucial de emprego, têm mais influência. Quando o ministério do Meio Ambiente nomeou um burocrata teimoso que aplicava multas contra as fábricas têxteis e de tingimento, proprietários queixosos eventualmente forçaram sua transferência.
"Ninguém no país, pelo menos no nível do governo, pensar sobre o desenvolvimento sustentável", diz Rizwana Hasan, importante advogado ambiental. "Todos os recursos naturais têm sido severamente degradados e esgotados."
A menos de dois quilômetros do local de Rana Plaza, a escola primária Ganda tem um corpo discente constituído principalmente de filhos de trabalhadores da indústria do vestuário. Golam Rabbi, 11, que é o aluno com melhores notas do terceiro ano, vive com sua mãe e dois irmãos menores num único cômodo. Os meninos usam etiquetas de preços coletados do chão das fábricas como cartas de baralho improvisadas.
"A escola sempre cheira mal", disse Golam. "Às vezes não conseguimos nem comer lá. Algumas crianças estão ficando doentes. Às vezes, minha cabeça gira. É difícil me concentrar."
Sua família ainda está lutando para se recuperar do colapso do Rana Plaza. Seu pai, que era segurança, morreu no desastre, e sua mãe está tentando sustentar seus filhos e manter os dois mais velhos na escola. O pai tinha abandonado a escola para trabalhar – assim como a mãe – e ambos acreditavam que a educação poderia proporcionar aos seus filhos uma vida melhor.
"Seu principal objetivo era fazer com que os seus filhos estudassem", disse a mãe de Golam, Hasina Begum, sobre seu marido.
Mas a poluição tornou isso difícil. Golam desmaiou com o cheiro. "Ele me disse várias vezes que não quer estudar na escola", disse a mãe.
"Quando está muito quente, e a brisa traz o mau cheiro, ele não consegue respirar direito. Tentei tranquilizá-lo, dizendo que as pessoas estão fazendo manifestações. Eu não sei por que a poluição ainda continua, porque eles não podem impedi-la."
As fábricas cercam a escola: a menos de 300 metros ficam duas fábricas de vestuário, duas operações de tingimento, uma fábrica têxtil, uma fábrica de tijolos e uma indústria farmacêutica. Pelo menos 10 fábricas de tingimento podem ser encontradas num raio ligeiramente maior. Um canal subterrâneo de drenagem lança águas residuais, através de um cano, no canal que passa atrás da escola.
Mohammed Abdul Ali, diretor da escola, disse que abordou os donos de fábricas locais, bem como funcionários de Savar, para mudar de lugar o cano de drenagem. Mães de alunos da escola, incluindo a mãe de Golam, fizeram oficinas de sensibilização e manifestações. Ambientalistas locais também fizeram campanha.
"Nós nunca vimos os proprietários levarem nossos apelos a sério", disse Ali. "Tudo está como de costume. Eles têm boas relações com os políticos. É por isso que eles não se importam."
Numa tarde chuvosa recente, o cheiro estava insuportável enquanto alunos do quinto ano da escola se reuniam numa sala de aula. Questionados sobre quantos tinham pais que trabalhavam em fábricas de vestuário, 23 dos 34 alunos na sala levantaram as mãos.
"Às vezes, minha cabeça fica girando", disse um aluno sobre o cheiro. "Às vezes sentimos que precisamos vomitar", disse outro.
A apenas 100 metros de distância, atrás de portão de metal, a fábrica de vestuário Surma estava tingindo tecidos num tom de roxo escuro. O gerente Mahadi Hasan ofereceu um passeio pela Estação de Tratamento de Efluentes, onde as águas residuais são tratadas com produtos químicos numa série de tanques de concreto. Ele pediu para um trabalhador trazer copos com amostras de "antes" e "depois" – e acabou recebendo uma amostra de "depois", na qual a água tinha uma coloração roxo claro.
Questionado sobre a poluição na escola próxima, Hasan disse que seu esgoto corria na direção oposta, mas isso significaria que ele corria para cima do morro. "Existem algumas outras fábricas por aqui", disse ele. "A água pode ser delas."
Em fevereiro, reguladores ambientais multaram a Surma Garments e outras quatro fábricas por despejar poluição ilegamente. Dois anos antes, outra fábrica perto da escola, Anlima Yarn Dyeing, foi multada por despejar esgoto sem tratamento, apesar de ter uma estação de tratamento de efluentes em funcionamento. Relatos na imprensa local disseram que a Anlima Yarn estava operando há 23 anos sem um certificado de autorização ambiental.
As inspeções fizeram parte de uma campanha de aplicação da lei antipoluição, bastante divulgada, liderada por Munir Chowdhury, um burocrata sênior do ministério do Meio Ambiente. Chowdhury fez batidas em fábricas, muitas vezes à noite, descobrindo que muitas estavam economizando dinheiro despejando resíduos sem tratá-los. Ele aplicou multas repetidas até que foi transferido este ano para administrar a operação de laticínios do Estado.
Kader, o prefeito em exercício de Savar, disse que não havia mais coisas que um só funcionário pudesse fazer. "Você deve entender a realidade em Bangladesh", disse ele. "Essas pessoas que estão criando indústrias e fábricas aqui são muito mais poderosas do que eu. Quando um ministro do governo me chama e diz para dar permissão a alguém para montar uma fábrica em Savar, não posso recusar."
Para as marcas globais que compram roupas de fábricas de Bangladesh, a poluição raramente recebe a mesma atenção que as condições de trabalho ou segurança contra incêndios. A H&M tem patrocinado alguns programas ambientais, mas os ambientalistas de Bangladesh dizem que os compradores globais têm feito muito pouco.
"Os compradores compreendem totalmente as condições de Bangladesh e tiram vantagem disso", disse Hasan, advogado ambiental.


Reportagem de Jim Yardley, para o The New York Times, reproduzido no UOL. Tradutor: Eloise de Vylder

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