sexta-feira, 26 de julho de 2013

ONU diz ser afetada por sanções ao Irã

ONU diz ser afetada por sanções ao Irã
Irlandês que chefia agência para refugiados no país reclama da dificuldade para receber dinheiro e equipamentos
Irã tem cerca de 840 mil refugiados, vindos de países como Iraque e Afeganistão; sanções se devem a projeto nuclear
SAMY ADGHIRNIDE TEERÃ

Sanções financeiras impostas por EUA e aliados ao programa nuclear do Irã estão afetando as operações da ONU no país.
Uma das áreas mais prejudicadas são os programas da agência da ONU para refugiados (Acnur), responsável por mais de 800 mil afegãos e 40 mil iraquianos que fugiram da violência em seus países.
Em depoimento exclusivo à Folha, o chefe do Acnur no Irã, o irlandês Bernard Doyle, listou os problemas gerados pelas punições ao Irã: aumento do custo das operações, atraso na implementação de projetos, dificuldade de abastecimento em material sanitário, entre outros.
À frente de 100 funcionários, Doyle disse esperar que a chegada do pragmático Hasan Rowhani à Presidência iraniana facilitará a busca por uma solução ao impasse.
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Folha - Qual o impacto das sanções no trabalho da ONU?
Bernard Doyle - No passado o swift (rede que interliga bancos do mundo inteiro) funcionava no Irã, e fazíamos transferências normalmente. O dinheiro saía de Genebra e chegava no dia seguinte na nossa conta em Teerã.
Tudo mudou no último ano, com as novas sanções, incluindo a exclusão do Irã do swift. Ficou muito complicado.
Claro que sabemos que a ONU e a ação humanitária não são os alvos das sanções. Mas o sistema bancário que precisamos usar é alvo dessas sanções. Sofremos danos colaterais.
Não quero dar detalhes sobre como transferimos fundos, mas basicamente ainda usamos o sistema bancário. Tudo é completamente legal. Mas o problema é que, sem o swift, precisamos passar por várias etapas até receber o dinheiro, e isso supõe um enorme custo de transação. Antigamente a transferência era feita em 24 horas. Hoje leva até duas semanas.
Qual o tamanho desse custo extra?
Para cada milhão de dólares [transferido], o custo é de US$ 40 mil. Isso representa muito.
Outro problema é que recebemos nosso dinheiro transferido em rials [moeda iraniana], mas precisamos também de divisas fortes.
Cada refugiado afegão repatriado, por exemplo, recebe US$ 150 mais um adicional de viagem em função da distância até seu local de destino. Isso precisa ser pago em dólar, mas o banco que usamos para a transferência não nos fornece liquidez suficiente alegando que não dispõe das quantias que precisamos. O jeito é pedir aos nossos colegas [do Acnur] no Afeganistão que paguem esse dinheiro.
Precisamos dos dólares também para pagar salários e viagens.
Isso afeta todas as agências da ONU. Mas como somos o maior consumidor de fundos, sofremos mais.
O senhor expôs o problema aos governos dos países que impõem as sanções? E ao Irã?
Falei com todo mundo, inclusive embaixadores. O governo iraniano está ciente do problema por causa do atraso em alguns projetos.
Que tipo de atrasos?
Existem três ou quatro meses no ano que são críticos por serem o período de assinatura de contratos com parceiros locais --ministérios da saúde e educação, além de 15 ONGs. Durante esses períodos críticos, precisamos transferir dinheiro para a implementação dos projetos. Normalmente podemos transferir cerca de US$ 2 milhões ou US$ 3 milhões por mês, mas às vezes precisamos de até US$ 8 milhões de uma vez. Os atrasos ocorrem porque precisamos esperar até o mês seguinte para fazer pagamentos necessários à injeção de capitais, adiantamentos e contratos de compra de equipamento por nossos parceiros terceirizados.
As sanções têm algum impacto sobre equipamentos e produtos importados para uso nos programas do Acnur?
[O Acnur] acaba indiretamente atingido porque a assistência sanitária é um dos aspectos principais do nosso programa. Há problemas na cadeia de abastecimento em remédios e equipamentos médicos. Uma das áreas afetadas é o tratamento dos problemas de rins, recorrentes entre refugiados. Filtros e outros componentes para as máquinas de diálise são difíceis de importar. A Cruz Vermelha passou a fabricar o seu próprio material.
As cúpulas da ONU e do Acnur estão preocupadas?
Sim, de certa forma, estão. Mas a Síria está absorvendo todo o oxigênio de todas as organizações humanitárias neste momento.


Reprodução da Folha de São Paulo

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