Poucos se dão conta, em meio ao zum-zum-zum da Flip, mas uma das famílias mais importantes da literatura moderna mundial começou a não mais do que 10 km da tenda onde se realiza, a partir de amanhã, o festival literário de Paraty.
Foi num engenho da cidade que cresceu e viveu a brasileira Julia da Silva-Bruhns Mann (1851-1923), mãe de dois dos maiores autores alemães do século 20, Heinrich e Thomas Mann, avó de escritores como Klauss e bisavó de Frido Mann.
Este último é um dos autores de "Terra Mátria", principal estudo já realizado sobre as relações da família Mann com o Brasil, publicado agora pela editora Civilização Brasileira.
Coescrita com os pesquisadores Paulo Astor Soethe (brasileiro) e Karl-Josej Kuschel (alemão), a obra será lançada com um debate na quinta-feira, na programação paralela da Flip.
O livro, que traz dezenas de documentos inéditos, como cartas de Thomas e de Heinrich, trouxe novidades para os próprios familiares.
"Foi na realização do livro que descobri que vovô chegou a pensar em ir ao Brasil", diz àFolha, por telefone, Frido Mann. O "vovô" era Thomas (1875-1955), o maior escritor alemão moderno e autor de romances como "A Montanha Mágica" e "Doutor Fausto".
Frido, que esteve 16 vezes no Brasil (e que cancelou sua vinda a esta Flip na semana passada, por motivos pessoais), chama a atenção para uma carta desencavada nas pesquisas do livro.
Na correspondência, inédita, e reproduzida em "Terra Mátria", Thomas Mann escreve: "Sempre estive consciente do sangue latino-americano que pulsa em minhas veias e bem sinto o quanto lhe devo como artista. Apenas uma certa corpulência desajeitada e conservadora de minha vida explica que eu ainda não tenha visitado o Brasil".
A carta, hoje na Biblioteca Nacional da Áustria, em Viena, fora despachada em 1943 ao bairro de Higienópolis, para Karl Lustig-Prean, jornalista e produtor cultural de origem tcheca que se refugiou do nazismo em São Paulo.
Lustig-Prean (1892-1965), um líder do grupo anti-nazista "Movimento dos Alemães Livres do Brasil", manteve correspondência com Thomas (reproduzida na íntegra no livro) e também trocou cartas com seu irmão mais velho, Heinrich.
Autor de romances importantes como "O Anjo Azul", Heinrich Mann (1871-1950) chegou a levar a brasilidade da mãe à literatura.
Em "Entre Raças" (1907), ele romantiza a infância "tropical" de sua mãe, Julia, filha de um alemão com uma brasileira -- Maria Senhorinha da Silva era a avó materna de Thomas Mann.
Julia nasceu na estrada. Os pais se mudavam de uma fazenda em Angra dos Reis (RJ) para outra em Paraty.
Julia nasceu na estrada. Os pais se mudavam de uma fazenda em Angra dos Reis (RJ) para outra em Paraty.
O casarão onde ela viveu, o Engenho Boa Vista, ainda está de pé (leia texto ao lado). Quando ela tinha 7 anos, o pai, precocemente viúvo, resolveu voltar para a Alemanha. Levou consigo sua prole e a criada brasileira Ana, negra.
Como sustenta Paulo Astor Soethe, professor da Universidade Federal do Paraná, a família manteve muitos laços com o país.
"O livro conta, por exemplo, como foram os encontros de Thomas Mann com intelectuais brasileiros como Sérgio Buarque de Holanda e Erico Veríssimo e mostra como Gilberto Freyre defendeu a vinda do escritor ao Brasil", afirma Soethe.
Texto de Cassiano Elek Machado, para a Folha de São Paulo.
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