Provavelmente a intenção da Folha, ao entrevistar a brasilianista Barbara Weisntein – da Universidade de Nova York – foi mostrar o estado deplorável de corrupção que assola o Brasil
Mas a boa entrevistadora, Sylvia Colombo, arrancou uma informação que reforça o que se tem dito aqui sobre a geopolítica da cooperação internacional (o acordo de parceria entre órgãos de investigação dos diversos países).
Perguntou sobre as comparações entre Brasil e EUA:
“Os EUA têm uma particularidade. Muita coisa que acontece aqui não conta como corrupção porque está dentro da lei, mas é moralmente errado e isso tem impacto na situação de pessoas menos privilegiadas”, respondeu a brasilianista.
Há tempos vimos alertando para o fato de que a cooperação internacional se transformou em território da geopolítica norte-americana.
Os Estados Unidos são historicamente uma sociedade organizada em torno de interesses corporativos explícitos. O Departamento de Estado, de Justiça e o próprio FMI sempre estiverem atrelados à lógica corporativa do país. Desde sempre as grandes multinacionais se constituíram no braço externo do poder nacional.
Esse pragmatismo norte-americano criou uma regulação permissiva para as formas de relacionamento corporações-poderes públicos. O lobby é regulamentado, assim como as contribuições de campanha. Aceita-se como natural até a retribuição dos presidentes eleitos aos grupos econômicos aliados, que chega ao limite das guerras nacionais. É só lembrar a guerra do Iraque e as empreiteiras da era Bush.
Em 1952, o Secretário do Tesouro norte-americano George Humphrey só concordou em liberar um financiamento ao Brasil depois que a Hanna Mining foi compensada da perda da exploração do manganês do Amapá.
O pragmatismo norte-americano chega ao ponto de permitir ao presidente da República conceder o indulto a empresários acusados de corrupção, em nome do chamado interesse nacional.
O conceito de corrupção nos EUA
Quando o narcotráfico e o terrorismo obrigaram a um cerco econômico sobre o crime organizado, houve restrições à ação corruptora de empresas norte-americanas, mas limitadas ao pagamento de propinas. Todos os demais instrumentos de guerra comercial continuaram sendo empregados à larga, principalmente o exercício do poder de Estado da nação mais poderosa do planeta.
Dia desses, uma fonte do MPF admitiu a um colunista da Folha haver interesses econômicos por trás da cooperação internacional (ufa!). Mas explicou que os EUA apenas querem igualdade de condições, depois que a legislação antiterror obrigou a restringir a ação corruptora de suas multinacionais.
Igualdade de condições? Como haver igualdade de condições se as mesmas práticas são toleradas por lá e colocadas sob investigação por aqui?
Nesses tempos de Lava Jato, os vazamentos tentaram criminalizar de tudo, de ações diplomáticas na África até financiamentos às exportações, financiamentos do BNDES, incentivos regionais.
Nem lhes chamou a atenção o fato do Departamento de Justiça, sem que fosse solicitado, passasse dados sobre a corrupção na Eletronuclear.
A insensibilidade em relação ao destino das empresas, dos empregos e da tecnologia investida é espantosa. A ideia de criminalizar pessoas jurídicas – e não pessoas físicas – não encontra respaldo em nenhuma legislação moderna. Não é racional.
A visão conspiratória de que, salvando as empresas, salvam-se os acionistas, já que os negócios são todos imbricados, não resiste a um mero exercício de lógica:
1. Os acordos de leniência pressupõem o ressarcimento ao Estado de valores identificados com a corrupção. Tem que haver pagamento.
2. Se tem que haver pagamento, e se o governo recebe, o dinheiro ou sai do controlador (vendendo a empresa) ou da empresa.
Na medida em que o combate à corrupção se torna um valor maior, o MPF tem que desenvolver uma jurisprudência interna, uma discussão mais objetiva sobre disputas comerciais, para diferenciar a corrupção propriamente dita das estratégias comerciais e do chamado interesse nacional. A Lei de Leniência é um primeiro passo.
Não faltam no MPF grandes procuradores especializados em direito econômico para enriquecer a discussão.
Reprodução do Blog do Luís Nassif.
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