A região central de São Paulo é um novelo de atalhos para universos paralelos, muitos invisíveis para o cidadão apressado. O Centro Comercial Presidente é um deles. Trata-se de uma das galerias modernistas que pautaram o boom imobiliário do centro velho entre os anos 50 e 60, quando essa parte da cidade era signo de progresso e grana. Esses centros comerciais espalharam-se entre a Barão de Itapetininga, a 7 de Abril e a 24 de Maio –onde fica o Presidente, mais conhecido como Galeria do Reggae, um enclave da cultura black no centrão desde o final dos anos 70.
A rampa do vão circular abre caminho para uma nave com escadas rolantes dos lados até o quarto andar e, no subsolo e primeiros andares, lojas de discos, acessórios canábicos, tatuadores e, principalmente, dezenas de cabeleireiros especializados em cortes afro e implantes capilares. As variações parecem infinitas: alongamentos, tranças, tinturas, escova, hidratação, progressiva, entrelaçamento, trança jamaicana, mega hair, alisamento, permanente afro, rasteira, dreadlock, dread de agulha com cabelo natural, dread de lã enraizada, coloração de cílios, sobrancelha de henna, desenho - e cortes em geral.
Pelos corredores, as vitrines exibem rabos de cavalos suspensos como troféus. Mechas de todas as cores, texturas e comprimentos. Por trás delas, vendedoras com ar nublado, arredias e curiosas com o meu olhar. É que não consigo deixar de pensar nas donas dos cabelos. (Depois descubro que madeixas virgens, nunca pintadas, são mais caras, que as lojas compram cabelos cortados na hora, que cabelos louros naturais custam fortunas e que o comércio de cabelos humanos movimentou US$ 2,9 bilhões no mundo em 2014 segundo a ONU.)
A partir do terceiro piso, o ar fica mais rarefeito, as escadas rolantes deixam de funcionar e o comércio muda de perfil: ateliês de costura, restaurantes improvisados, bares de uísque barato e escritórios sem vitrine, cujas finalidades não explanarei. Os corredores ficam completamente tomados por africanos, sempre elegantes, muitos vestindo camisa de botão e sapatos bem engraxados. Já no quarto andar, sou o único branco e talvez o único brasileiro –a maioria esmagadora é de nigerianos, mas há também senegaleses, haitianos e congoleses, segundo o vigia que me pede para não tirar fotos.
Percebo que há algo de pátio de prisão aqui: sou um intruso na sala de estar que a cidade tem a oferecer a esses imigrantes e refugiados. Sair da galeria, quatro andares abaixo, não será apenas atravessar a rua. É um pouco mais longe que isso.
Texto de J. P. Cuenca, na Folha de São Paulo.
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