No programa "Roda Viva", da TV Cultura, apresentado ao vivo na segunda-feira (6), o ministro das Relações Exteriores, José Serra, desperdiçou a oportunidade de explicar ao cidadão as prioridades e a estratégia de sua política externa.
Em um debate marcado, em boa parte do tempo, mais por discussões sobre política doméstica do que sobre política externa, Serra estava mais para primeiro-ministro do que para chanceler.
A expectativa era que o debate fosse mais denso entre entrevistadores e entrevistado acerca dos rumos de nossa diplomacia. Mas o tema "política externa" parecia um corpo estranho para a maioria.
No conjunto, a política externa ficou reduzida a um tripé voltado contra o eixo bolivariano, negociações comerciais como principal plataforma estratégica e a uma discussão improdutiva da "diplomacia ideológica" dos governos Lula (2003-2011) e Dilma Rousseff.
Se é certo dizer que a Venezuela não é um país democrático e que "onde há presos políticos não pode haver democracia plena", como o chanceler fez, Serra pôs o país numa condição em que precisará, por coerência narrativa, propor ou endossar a suspensão de Caracas de Mercosul, Unasul (União das Nações Sul-Americanas) e OEA (Organização dos Estados Americanos).
E se essa é a métrica que define nossa ação de política externa, quais seriam então os critérios para julgar se Rússia e China, nossos parceiros nos Brics, são Estados democráticos? Há menos presos políticos na China e na Rússia –e em alguns países do Oriente Médio– do que nos vizinhos bolivarianos?
Essa contradição criará para o Brasil situações embaraçosas e abrirá flancos comprometedores em nossos interesses estratégicos.
Já a resposta à indagação sobre a aspiração do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU surpreendeu.
É inconcebível imaginar que o chanceler não esteja informado ou não tenha posição clara sobre essa postulação histórica, transformada numa espécie de "campanha permanente" da política externa brasileira de todos os governos e de qualquer coloração política de Getúlio Vargas a Dilma Rousseff.
Além disso, o chanceler passou a impressão de que o norte de nossa aspiração internacional se resumirá ao comércio. O comércio internacional deve ser parte da composição da grande estratégia de uma nação, não seu vetor principal, muito menos para um país da envergadura do Brasil, um ator de peso geopolítico nas relações internacionais.
Por fim, Serra caiu na movediça retórica da ideologização da política externa anterior.
Toda política externa carrega em si, por bem ou por mal, certo coeficiente ideológico, já que ela é formulada a partir de ideias e valores e sedimentada por preferências políticas –até porque políticas de Estado não brotam sozinhas.
Talvez o norte que se deveria dar a essa desgastada discussão fosse encontrar a trilha ideológica que não comprometa os imperativos de soberania e segurança nacionais e preserve os pilares e interesses estratégicos da política externa.
Foi uma oportunidade que poderia ter servido para transcender o nível paroquial em que se discute política externa no país. Ao fim, infelizmente, todos deixaram de ganhar: o programa, o chanceler, o telespectador e o Brasil.
Texto de Hussein Kalout, na Folha de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário