terça-feira, 28 de junho de 2016

Brazil-self-exit da América do Sul


Nos últimos dias, o resultado do plebiscito britânico, que deixou a Europa de ponta-cabeça, e os novos episódios de espoliação do Estado brasileiro revelados pela operação Lava Jato ofuscaram dois importantes acontecimentos na América do Sul.
O primeiro deles foi a visita do subsecretário de Estado dos EUA para Assuntos Políticos e ex-embaixador no Brasil, Thomas Shannon, à Venezuela. Já o segundo foi o concreto avanço para a celebração de um acordo de paz definitivo na Colômbia, após 50 anos de conflito.
Shannon é um dos mais influentes membros do alto escalão do Departamento de Estado e conhece profundamente os interesses estratégicos brasileiros, não apenas na América do Sul, mas no mundo.
O encontro dele com o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, transcende superficiais gestos diplomáticos, sobretudo por se tratar da personalidade e do contexto – esta é a primeira visita de alta autoridade de Estado dos EUA, em anos, a convite de Caracas.
Cientes da perda de influência do Brasil, os venezuelanos decidiram reabrir os canais de diálogo com Washington, trazendo os EUA ao centro do poder decisório da América do Sul na condição de palatáveis atores de mediação da crise política que assola o país.
Diante da escolha entre um Brasil com discurso hostil a Caracas e uma política externa nada "friendly", mas pragmática, caso da diplomacia norte-americana com o bolivarianismo, a Venezuela optou pelos EUA. Isso significa que a possibilidade do Brasil exercer um papel qualificado e legítimo no diálogo entre oposição e governo está, por ora, neutralizada.
No fundo, o teor da conversa entre Maduro e Shannon nem sequer precisa ser revelado. Para bom entendedor, a foto é, por si só, uma marcante poesia.
Da mesma forma, a histórica assinatura do acordo de cessar-fogo entre o governo da Colômbia e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), após exaustivas negociações, deixou a impressão de que não há lugar robusto para o Brasil na cena, e mesmo na região, para além de prestar protocolares congratulações ao povo colombiano.
Ainda que o Brasil discordasse do protagonismo que deveria lhe caber e preferisse que o processo de paz colombiano não tivesse sido tratado no âmbito do Conselho de Segurança da ONU, a maior nação da América Latina deixou de influir em boa parte do ciclo de mediações e foi solenemente colocada de lado.
No fundo, o que se pode inferir dessas lições é que Caracas de agora em diante irá ignorar Brasília; no caso da Colômbia, o Brasil limitou o seu próprio escopo de atuação.
Após longo hiato na América do Sul e em face da ausência de uma potência regional disposta a – e com os meios para – resolver problemas geopolíticos em sua esfera de influência, os EUA reocupam o vácuo de poder e retomam as rédeas dos temas políticos da região.
Abdicar de uma firme e focada estratégia sul-americana é suicídio. São fatos de suma importância política aos interesses estratégicos do Brasil na região, e seu impacto deveria ser matizado, com urgência, por Brasília. O governo precisa mudar a nau do "Brazil-self-exit" da América do Sul.


Texto de Hussein Kalout, na Folha de São Paulo

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