quarta-feira, 15 de junho de 2016

A crise é uma aula

A essa altura, duas coisas parecem claras: o impeachment foi uma manobra para garantir a autodefesa da classe política, e a chapa Dilma/Temer deveria ser cassada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por ter recebido contribuições ilegais (as outras chapas também deveriam ser investigadas).
Ao que tudo indica, a esquerda é fraca demais para devolver o mandato de Dilma, mas a direita é forte o suficiente para absolver Temer no TSE. É em horas como essa, meus amigos, que se vê quem tem poder e quem só ganhou eleições.
Não é só na política que a crise é uma aula sobre a distribuição de poder na sociedade brasileira. É sem dúvida necessário fazer um ajuste fiscal.
Mas o ajuste econômico anunciado é feito só com sacrifícios para os mais pobres; não há sacrifícios propostos para a turma de Paulo Skaf, que foi ao Planalto aplaudir a decisão de não subir impostos. Poucas coisas mostram mais quem manda do que uma divisão de conta.
Falando em nova matriz econômica: notem que do governo de esquerda se exigiu toda moderação possível. E notem também que, quando o governo de esquerda resolveu romper com a ortodoxia, o fez da maneira mais amigável possível com os ricos: com subsídios e isenções fiscais.
Nada dessa moderação é exigida do novo governo, de quem só se repreende a falta de convicção revolucionária.
Durante os governos de Lula, a esquerda executou diversas tarefas típicas de seus adversários ideológicos, manobra conhecida como "Nixon vai à China": a ideia é que só um anticomunista ferrenho como Nixon poderia negociar com a China de Mao sem correr o risco de que seu gesto fosse visto como uma rendição.
Da mesma forma, seria mais fácil para um governo de esquerda fazer, por exemplo, os ajustes de Palocci, as hidrelétricas da Amazônia, a mudança na remuneração da poupança etc.
O Nixon do PT foi tantas vezes à China que suspeita-se que tenha já se perdido em algum lugar no deserto de Gobi. Já o Nixon da direita brasileira é claramente sinófobo. Um governo de direita com visão poderia, por exemplo, promover a progressividade tributária como forma de consolidar sua legitimidade e provar que seu projeto é o mais inclusivo possível. Até agora, nada disso.
Mas a crise não se limitou a revelar os desequilíbrios de poder no Brasil. Ela os tornou muito mais agudos. A principal alteração recente no equilíbrio de poder brasileiro foi a exclusão do voto como mecanismo de legitimação necessária de programas de governo.
Desde que se cogitou implementar "Uma Ponte para o Futuro" por uma manobra parlamentar (o impeachment de Dilma), os pobres –que só conseguem fazer lobby de quatro em quatro anos– sumiram do cálculo dos poderosos, ao menos até a próxima eleição.
E isso é notável, porque até outro dia pobre era a última moda. Discutíamos se eles eram a nova classe trabalhadora, a nova classe média, os batalhadores, e todo mundo que tinha uma boa ideia sobre isso ganhava a presidência do Ipea.
Tudo isso soa so last season, porque na last season era necessário ganhar votos contra uma esquerda forte. Enfim, a crise tem muito poucas vantagens, mas uma delas é mostrar como a distribuição de poder no Brasil mudou ainda menos que a distribuição de renda após 13 anos de governos de esquerda.


Texto de Celso Rocha de Barros, na Folha de São Paulo

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