Em audiência judicial na Suécia, um advogado brasileiro não compreendeu a manifestação da parte contrária. Dirigiu-se à juíza, em português: "Excelência, gostaria de entender melhor a pergunta...".
Após sua manifestação, a intérprete o abordou: "Olha, tomei a liberdade de não traduzir o termo 'Excelência'".
Explicando o quanto o princípio da igualdade entre as pessoas é enraizado no país, continuou: "Aqui nós chamamos os magistrados pelo cargo que ocupam, como 'juíza', ou simplesmente 'você'".
O advogado sem dúvida teria vergonha de contar à tradutora o caso de sua colega num fórum paulistano, que chamou o juiz de "senhor" e foi interrompida. "Não, doutora. Aqui é Excelência. Ou a senhora quer trocar de lugar comigo?"
Aprende-se cedo, nas carreiras jurídicas brasileiras, a usar o tratamento "adequado". Em português claro, a usar uma expressão capaz de marcar a suposta distância que separa os dois interlocutores –a autoridade sobranceira e o cidadão rasteiro.
Dá-se o contrário em Estocolmo. Eliminam-se, inclusive no que parecem pormenores do cotidiano, as diferenças entre as pessoas. Não será por coincidência que a Suécia se situa entre os países com a menor desigualdade de renda, ao passo que o Brasil se acomoda no extremo oposto dessa lista.
Para não sair do Judiciário, os ministros do Supremo Tribunal Federal estão prestes a ganhar um aumento em seus salários, que passará de R$ 33,8 mil para R$ 39,3 mil, ou cerca de 20 vezes o rendimento médio dos assalariados.
Os integrantes do Supremo da Suécia também recebem em torno de R$ 40 mil. Lá, contudo, essa quantia representa pouco mais de duas vezes o vencimento médio no país.
Modificar esse quadro desigual levará muito tempo, e a tarefa depende de um esforço conjunto dos mais variados setores da sociedade. Alguns grupos, porém, têm ao alcance das mãos a oportunidade de iniciar o processo de mudança.
Os ministros do nosso Supremo são um ótimo exemplo. Gozando de invejável estabilidade profissional, e ocupando a cúpula de uma instituição que ainda conta com prestígio social, poderiam abrir mão dos inúmeros benefícios que se acrescentam a seus generosos proventos mensais.
Se não estiverem prontos para imitar seus colegas suecos, que não desfrutam de nenhum auxílio além do próprio salário, os supremos brasileiros poderiam ao menos modificar o ridículo artigo 16 do Regimento Interno do STF.
Ali atribui-se ao ministro da corte o direito, garantia ou prerrogativa de receber o tratamento de "Excelência" –além da conservação de título e "honras correspondentes, mesmo após a aposentadoria".
Um cidadão sueco certamente não entenderia como alguém pode se julgar tão melhor que os demais.
Texto de Uirá Machado, na Folha de São Paulo.
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