segunda-feira, 6 de junho de 2016

Arroz e falafel

A intensa guerra de propaganda responsável por envelopar o conflito israelo-palestino nas últimas décadas propagou, à exaustão, o mito de o Estado judeu só existir devido à aliança estratégica com os EUA, em casamento registrado desde a Partilha da Palestina, pela ONU, em 1947. Prossegue a falácia: Israel surgiu como posto avançado de Washington, para "americanizar" o Oriente Médio.
Aos fatos. Estados Unidos e URSS disputaram a condição de primeiro país a reconhecer a independência de Israel, em 1948. Armas oriundas do bloco soviético permitiram ao nascente Exército israelense vencer a guerra daquele ano, contra a ofensiva de países árabes contrários à divisão territorial.
Mas o namoro entre o Kremlin e Israel durou pouco. Cálculo geopolítico, embalado pela Guerra Fria, levou Moscou a abandonar o flerte com os socialistas israelenses, entrincheirados nos kibutzim (fazendas coletivas), e a apostar na aproximação com o pan-arabismo liderado pelo egípcio Gamal Abdel Nasser, nos idos de 1950.
Naquele momento, os EUA hesitavam em abraçar Israel, governado pelos socialistas. Temiam ainda perder o Oriente Médio para influência soviética, maior preocupação nos primórdios da Guerra Fria. O Estado judeu encontrou então na França, às voltas com levantes em colônias do norte da África, aliado para fornecer armas. O Mirage, avião de fabricação gaulesa, simbolizou a vitória israelense na Guerra dos Seis Dias, em 1967.
Surgiram, a partir desse conflito, contornos atuais da aliança entre EUA e Israel. Washington e Moscou desenharam fronteiras de influência no Oriente Médio de forma inequívoca, e o governo israelense viu a França, após a independência da Argélia, se afastar, mais interessada no petróleo árabe que na aliança estratégica com o Estado judeu.
Desde o fim dos anos 1960, fortaleceu-se a aliança entre EUA e Israel, impulsionada por interesses estratégicos comuns, identificação ideológica e fatores de política doméstica. E a diplomacia israelense, principalmente na era Bibi Netanyahu, padeceu da visão unidirecional, com radar voltado a Washington.
O século 21, no entanto, vai carcomendo heranças da Guerra Fria. Novos tempos levam os EUA a implementar a mudança de "pivô para a Ásia", deslocando de forma paulatina para o continente o foco principal de sua política externa, como ilustrou a recente visita de Barack Obama a Vietnã e Japão. Consequência do movimento, Washington planeja emagrecer presença no Oriente Médio, ponto nevrálgico de seus interesses estratégicos em especial nas duas últimas décadas.
Israel, embora não cogite diminuir aliança com Washington, também se adequa lentamente à nova realidade e passa a investir em laços com gigantes asiáticos. O comércio bilateral com a China explodiu de meros US$ 50 milhões em 1992 para US$ 11 bilhões em 2015. Prospera a cooperação sino-israelense em tecnologia de ponta.
A Índia já alcançou a condição de um dos principais clientes da indústria de defesa israelense. Sem abandonar os EUA, Israel reorienta a bússola, apontando também para paragens asiáticas.


Texto de Jaime Spitskovsky, na Folha de São Paulo

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