terça-feira, 7 de junho de 2016

A fotógrafa e os desaparecidos

De acordo com a Anistia Internacional, há pelo menos 27 mil desaparecidos no México. Considera-se que a maior parte dessas pessoas tenha sido "desaparecida" por obra de grupos criminosos, em geral ligados ao narcotráfico, ou pela ação de autoridades policiais corruptas.
Em setembro de 2014, uma turma de 43 estudantes "desapareceu" no estado mexicano de Guerrero.
Os estudantes, de uma escola rural para a formação de professores, fizeram uma arrecadação de recursos na cidade de Iguala, mas sumiram no caminho de volta à escola normal rural de Ayotzinapa.
Suspeita-se que tenham sido entregues por policiais corruptos a narcotraficantes, que, por sua vez, os teriam matado e incinerados. Os restos mortais de um estudante foram identificados, mas ninguém sabe o que aconteceu com os demais.
Enquanto cobria essa matéria para o "New York Times", a fotojornalista brasileira Adriana Zehbrauskas se deu conta de que, entre os familiares, poucos ainda tinham fotos do estudantes desaparecidos.
Pareceu-lhe paradoxal que, em um momento da história em que nunca se fotografou tanto, imprima-se cada vez menos fotografias. As imagens são tiradas, apagadas, enviadas, deletadas, compartilhadas —mas quase nunca impressas. Deixam de existir como objeto concreto. Com o tempo, perdem-se nos celulares, vão embora para a reciclagem.
O que fazer quando uma pessoa amada morre sem deixar fotos? O que fazer quando um filho desaparece subitamente e você não tem uma foto sequer para se lembrar dele?
Por um lado, o "desaparecimento" roubava daqueles famílias de trabalhadores rurais o futuro (ter um filho professor). Por outro, a falta de retratos roubava-lhes o passado (o registro visual da história do filho).
Em suas viagens a Guerrero, Adriana Zehbrauskas decidiu fotografar as famílias da região, imprimindo e entregando-lhes as fotos, para que elas guardassem retratos, para que sua história fosse de algum jeito registrada, para que não morressem sem deixar imagens. Chamou o projeto de "Family Matters" ("Família importa"/"Coisas de família" - em trocadilho).
"Family Matters" recebeu um prêmio —prestigiosíssimo— da Getty Images e do Instagram para projetos sobre comunidades subrepresentadas na mídia. A autora nasceu e se criou em São Paulo, mas, há 12 anos, mora na Cidade do México, onde trabalhava para diversos veículos, especialmente o "New York Times". Adriana também desenvolve projetos artísticos particulares. "Family Matters" é um deles.
A exposição com as fotos foi inaugurada em Nova York no final de maio, no espaço adjacente a um bar chamado Half King, na rua 23 com 10 avenida, aos pés do High Line. Não há nada de glamoroso no espaço. Não faria sentido denunciar um crime em torno a glamour. Mas não se deixe enganar: há poucos locais mais conceituados para a exibição de fotos jornalísticas em Nova York.
A exposição deixa clara a importância do fotojornalista como autor do registro histórico de uma comunidade, mas também mostra a importância que a representação e o objeto artísticos podem adquirir para o indivíduo.
É por isso que o trabalho de Adriana é importante. Clique aqui para conhecê-lo melhor.


Texto de Alexandre Vidal Porto, na Folha de São Paulo


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