sábado, 25 de abril de 2015

A matemática política da PM

A credibilidade da Polícia Militar para aferir o número de participantes de manifestações públicas parece estar definitivamente comprometida. Sobretudo em São Paulo, mas também pelo país afora, os números da polícia cada vez mais têm ferido o bom senso.
Não que seja exatamente uma novidade. É notório para quem acompanha manifestações populares que a polícia costuma subestimar os números. E que, em contrapartida, os manifestantes tendem a inflá-los. Convencionou-se, entre jornalistas e observadores, calcular o número real de participantes como uma média entre os dois. Mas ultimamente a PM parece ter perdido totalmente a noção de proporções. Pecou pelo exagero.
No último dia 15 de abril, milhares de pessoas fizeram uma manifestação em São Paulo "Contra a direita, por mais direitos", que reuniu entidades como MTST, MST, CUT e PSOL contra o PL 4330 (terceirização), as pautas conservadoras e em defesa de reformas populares. Segundo a organização, o ato reuniu 40 mil participantes. As imagens da concentração no largo da Batata mostram efetivamente uma multidão.
No entanto, a Polícia Militar paulista cravou o número de 2.500 pessoas na manifestação, para a descrença de todos –inclusive de jornalistas– que acompanhavam o ato. Poderiam ter dito 15 mil ou 20 mil, seria mais verossímil. Agora 2.500...
Afrontas como essa ao bom senso e à matemática poderiam ser interpretadas como falta de técnica, amadorismo. A polícia não teria os instrumentos nem o treinamento adequado para fazer o cálculo, daí as desproporções.
Mas não. As manifestações dos últimos meses autorizam a conclusão de que o problema é mais de ordem política do que matemática. Para isso foi fundamental o cálculo paralelo feito pelo Datafolha nos atos de 13 e 15 de março e novamente em 12 de abril, em São Paulo.
Em 13 de março, movimentos sociais organizaram um ato na avenida Paulista. O Datafolha estimou em 41 mil pessoas, a PM em 12 mil.
Dois dias depois, foi a vez dos grupos em defesa do impeachment de Dilma organizarem sua manifestação. Segundo o Datafolha, foram 210 mil, já a PM estimou desta vez em 1 milhão.
Em 12 de abril, novamente com os grupos pró-impeachment, a desproporção se repete. O Datafolha deu 100 mil e a PM 270 mil.
Três dias depois, 15 de abril, os movimentos sociais de esquerda voltaram às ruas. O Datafolha não fez estimativa e a PM deu os famigerados 2.500 num ato visivelmente bem maior que isso.
Se a diferença fosse sempre na mesma direção -sempre para mais ou para menos- poder-se-ia alegar divergência de metodologia. Mas não é o caso. Quando se trata das manifestações pró-impeachment os números da PM são inflados, e quando são os movimentos populares os números são subestimados. Dois pesos, duas medidas.
Talvez seja pelo fato do governo estadual de São Paulo -ao qual a PM é subordinada- ser dirigido pelo maior partido de oposição, que apoiou as manifestações e tem defendido o impeachment. Ou ainda pela simpatia pela PM dos manifestantes de 15 de março e 12 de abril, com direito a selfies e aplausos para a Tropa de Choque. Simpatia aliás recíproca, conforme a PM fez questão se expressar em suas redes sociais.
Já as manifestações de movimentos de esquerda frequentemente são marcadas por críticas à violência policial e pela defesa da desmilitarização da segurança pública. Não há selfies nem aplausos.
É escandaloso que a aferição do número de participantes das manifestações em São Paulo e no Brasil continue a ser feita de forma tão parcial. Assim como que o conjunto da imprensa continue a tomar o número da polícia como referência, mesmo diante de desproporções tão gritantes.
Se quer recuperar credibilidade neste quesito, a PM precisa tornar pública sua metodologia e deixar de usar critérios políticos em seus cálculos. Ou então a divulgação do tamanho das mobilizações sociais no país permanecerá refém de um desacreditado coronelismo matemático.


Texto de Guilherme Boulos, na Folha de São Paulo

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