terça-feira, 9 de julho de 2013

Uma cartilha sobre economia para espiões

Ouvir as comunicações via BlackBerry dos líderes mundiais que estavam participando de uma reunião de cúpula do Grupo dos 20, como os britânicos fizeram em abril de 2009, não parece ser uma ótima maneira de construir laços de confiança internacionais nem de fomentar a cooperação econômica. Além disso, registrar esse tipo de operação em PowerPoint e se vangloriar sobre ela por escrito – esse tipo de documento sempre acaba vazando – é puro Monty Python.

Segundo sugerem informações divulgadas esta semana, parece que os serviços de inteligência dos Estados Unidos adotaram artimanhas muito semelhantes às dos britânicos – há relatos de que os EUA colocaram escutas para interceptar as comunicações entre diplomatas europeus que atuam em Washington. Os europeus são aliados dos Estados Unidos, mas eles também são seus concorrentes em mercados importantes por todo o mundo. O objetivo das escutas parece envolver a captura de algum tipo de segredo econômico.

A maior parte dessas práticas de espionagem é uma completa perda de tempo – e uma boa maneira de minar as relações entre os países. Para ajudar os espiões – e todos os outros que possam estar escutando nossos telefonemas – a priorizar o uso de seus escassos recursos e a fazer algo construtivo com seu tempo disponível, oferecemos esta breve cartilha sobre onde os serviços de inteligência devem concentrar sua atenção na esfera econômica.

Em primeiro lugar, quando, assim como aconteceu na primavera de 2009, os governos de todo o mundo quiserem promover uma expansão fiscal, apenas saia do caminho. A expansão fiscal de qualquer país reforçará sua economia no curto prazo, aumentando as importações e, dessa forma, ela também ajudará seus parceiros comerciais. Além disso, a expansão fiscal provavelmente fará com que a taxa de câmbio do país cuja economia está crescendo se valorize, uma vez que ela implica na adoção de taxas de juros mais elevadas do que normalmente seria o caso. Novamente, nesse caso, os outros países terão pouco a reclamar.

Os países tendem a cooperar durante expansões fiscais como, por exemplo, em face de uma recessão global, e os líderes dos governos ficam felizes em divulgar seus planos ao público e durante conversas particulares. Espionar as pessoas nesse tipo de ambiente é simplesmente estúpido. Apenas leia as páginas de economia e finanças de qualquer bom jornal para tomar conhecimento desses fatos.

Em segundo lugar, durante negociações comerciais – que são alvo potencial da espionagem entre Estados Unidos e União Europeia – geralmente é melhor confiar no que os vários lados estão dispostos a dizer.

Por via das dúvidas, pode ser divertido de ouvir, por exemplo, o que os aliados da França pensam sobre a insistência dos franceses em relação às "proteções culturais" para filmes e afins. As negociações intra-europeias podem até dar um bom reality show – um reality da nova variedade norueguesa (aparentemente, programas muito chatos são um enorme sucesso na Noruega). Mas as divisões entre os europeus sobre tais questões são, em grande parte, um tema de domínio público. Novamente, basta ler os jornais e sites relevantes em francês, alemão e em todas as outras línguas que você dominar.

Falando sobre as principais negociações comerciais que estão prestes a ocorrer entre a União Europeia e os Estados Unidos, o comissário de Justiça da UE disse esta semana, de maneira muito sensata, que "nós não podemos realizar as negociações a respeito de um grande mercado transatlântico se houver a menor dúvida de que nossos parceiros estão realizando atividades de espionagem nos escritórios de nossos negociadores".

O desenvolvimento do comércio global requer confiança e não pode ser sustentado com subterfúgios e coerção. Esta é a grande lição do mundo pós-1945, um mundo moldado pela liderança norte-americana e por uma sensação geral (mas nem sempre perfeita) de fair play.

Em terceiro lugar, há um conjunto perenemente interessante de perguntas referentes ao que vários bancos centrais vão fazer a seguir em relação a suas políticas monetárias. Saber quem vai relaxar ou apertar sua política monetária é um tema que desperta muito interesse e que faz os mercados oscilarem – além de manter outras áreas dos governos, comandadas por pessoas que visam à reeleição, acordadas durante a noite.

Qualquer medida de flexibilização da política monetária (como a redução da taxa de juros ou um afrouxamento adicional mais representativo) tende a causar a depreciação da taxa de câmbio, o que é bom para as exportações do país cuja moeda enfraqueceu – mas não é tão bom para os parceiros comerciais desse país.

Por outro lado, o arrocho monetário – considerando que todas as outras coisas se mantenham iguais – tenderá a provocar uma valorização da taxa de câmbio do país que adotou a política de arrocho. Dessa forma, as autoridades do governo dos Estados Unidos (e, em consequência, as autoridades do Fed, o Banco Central dos EUA) podem gostar de saber se o Banco Central Europeu vai relaxar ou arrochar sua política monetária. Alterações como essas na taxa de câmbio do euro com o dólar podem ajudar ou prejudicar a economia norte-americana (embora pessoas sensatas possam divergir sobre os mecanismos precisos que atuam nesse cenário).

Espionar bancos centrais seria informativo, mas mais do ponto de vista comercial do que para auxiliar a segurança nacional. Os bancos centrais já compartilham uma grande quantidade de informações sigilosas uns com os outros – inclusive em seus níveis hierárquicos mais elevados.

Se os banqueiros que não dirigem bancos centrais ficassem sabendo dos movimentos prováveis das taxas de juros, a tentação de negociar esse tipo de informação seria quase irresistível, especialmente para os espiões com orçamentos mais apertados. Esse tipo de informação também daria aos governos uma grande e injusta vantagem para lidar com os outros participantes do mercado (por exemplo, para saber o melhor momento de vender participações em bancos que receberam injeções de capital ou alguma outra forma de resgate governamental).

Como observa James Bond de maneira um tanto irônica em sua mais recente aventura, "Skyfall", depois de conhecer o seu novo ajudante e guru tecnológico, que parece ter acabado de sair da universidade, esse é um "admirável mundo novo". Mas só porque você é capaz de "hackear" as comunicações privadas das pessoas não significa que você vai obter alguma informação útil a partir desse exercício – nem nenhuma informação que seja útil para a sua causa.

Em vez disso, estude um pouco de economia.

Peter Boone é presidente da instituição de caridade Effective Intervention e pesquisador associado do Centro para o Desempenho Econômico da London School of Economics. Ele também é diretor da Salute Capital Management Ltd. Simon Johnson é professor da MIT Sloan School of Management e ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Texto de Peter Boone e  Simon Johnson, para o The New York Times, reproduzido no UOL. Tradutor: Cláudia Gonçalves

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