quarta-feira, 3 de julho de 2013

O último grande "capo" da Cosa Nostra diz que "a verdadeira máfia são os juízes e os políticos"

Desde 1974 até sua detenção, em 1993, Salvatore Riina matou 150 pessoas, 40 delas pessoalmente, e por isso foi condenado a três penas de prisão perpétua. O último chefe dos chefes da Cosa Nostra tem hoje 82 anos, há 19 vive em uma cela de isolamento e nunca demonstrou arrependimento nem vontade de colaborar com a justiça. Entretanto, há alguns dias, coincidindo com o processo que se desenrola em Palermo para tentar esclarecer o pacto entre o Estado italiano e a Máfia para acabar com as matanças no início dos anos 1990, o velho criminoso falou.
Foi de maneira informal, durante a transferência de sua cela na prisão de Milão para a sala de videoconferência, mas algumas de suas palavras vêm remexer na dúvida mais dolorosa dos mistérios pendentes da Itália: o Estado permitiu ou mesmo participou dos assassinatos dos juízes Giovanni Falcone e Paolo Borsellino? Segundo Totò Riina, "na Via D'Amelio [a rua de Palermo onde foram assassinados Borsellino e cinco agentes de sua escolta] estavam os serviços...".
Os magistrados terão de avaliar até que ponto acreditam na versão de Riina (nascido em Corleone, em 1930), mas por enquanto pediram um relatório dos fatos às duas agentes da polícia penitenciária que no último 31 de maio escutaram a confissão do ex-chefe mafioso.
Segundo uma das policiais, o "capo" falou marcando as palavras, em um evidente desejo de que fossem escutadas e entendidas. Disse: "Eu não procurava ninguém, eram eles que me procuravam", em clara referência a que foram os serviços secretos italianos que contaram com ele para tentar chegar a um cessar-fogo.
É exatamente isso que tenta estabelecer o julgamento que se realiza agora em Palermo: os termos da negociação que o Estado italiano e a Máfia siciliana mantiveram de 1992 a 1994, em uma tentativa de frear a onda de atentados que sacudiu o país naquela época e, de passagem, salvar a pele de uma série de políticos que estavam no ponto de mira da Máfia.
No banco dos réus sentam-se, entre outros, o ex-ministro Nicola Mancino e o ex-senador --e amigo íntimo de Silvio Berlusconi-- Marcello Dell'Utri, além de oficiais dos Carabinieri e arrependidos da Máfia. Entre as testemunhas, a mais alta autoridade da República, o presidente Giorgio Napolitano.
Daí que a hipotética vontade de colaborar de Riina, alguém que despreza os arrependidos a ponto de condená-los à morte, pudesse significar um ponto de inflexão. Por enquanto, apenas frases soltas. Sobre sua prisão, segundo ele fruto de uma traição: "Provenzano e Ciancimino mandaram me prender, e não os Carabinieri". Isto é, seu sucessor e sua ligação com a política, um ex-prefeito de Palermo da Democracia Cristã. Sobre os atentados de Falcone: "O arrependido Gianni Brusca não fez tudo sozinho, aí está a mão dos serviços secretos". E de Borsellino: "O mesmo vale para a agenda vermelha [uma agenda que o juiz sempre levava e que nunca foi encontrada]. Por que não a recuperam?"
Segundo o velho chefe da Cosa Nostra, a cumplicidade com o Estado é clara: "Passei 25 anos fugitivo, sem que ninguém me procurasse. Como é possível que seja responsável por todas essas coisas? A verdadeira Máfia são os juízes e os políticos que se protegeram entre si. Eles descarregam sua responsabilidade nos mafiosos. A Máfia, quando começa uma coisa a termina. Eu estou bem. Posso ver além destas paredes." Um agente da polícia penitenciária lhe pergunta: "É verdade que o senhor deu um beijo em Andreotti?" Segundo os presentes, o último "capo dei capi" devolveu a pergunta com outra: "Veja, você acredita que eu pude beijar Andreotti? Posso lhe dizer que era um cavalheiro e que eu sempre fui da 'área andreottiana'." Talvez diante da incredulidade de seus guardas, Salvatore Riina de Corleone avisou: "Apesar de estar envelhecido, ainda sou um relógio suíço."
Reportagem de Pablo Ordaz, para o El Pais, reproduzido no UOL. Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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