sexta-feira, 7 de junho de 2013

Suspeita e ódio: Ataques racistas contra árabes aumentam em Israel


Os árabes estão sendo agredidos e insultados em Israel, onde o número de ataques racialmente motivados aumentou dramaticamente. O conflito não resolvido, alimentado por políticos nacionalistas, está se deslocando dos territórios palestinos para o território israelense.

O horror está gravado no rosto dela e foi registrado pela câmera. Revital Wolkov está sentada no assento do motorista de seu Toyota branco, olhando por sobre seu ombro direito, pelo vidro traseiro quebrado, diretamente para a lente. O buraco no vidro tem a forma de uma grande borboleta.

Wolkov, 53 anos, ensina história em Ramat HaSharon, perto de Tel Aviv. Ela foi atacada e seu carro foi danificado apenas porque uma colega árabe estava sentada no assento do passageiro. Isso aconteceu em março, mas não foi o único ataque do tipo.

Neste ano, várias adolescentes judias perguntaram a uma mulher sentada no ponto de ônibus se ela era árabe. A mulher, usando lenço de cabeça, respondeu que era. Uma das meninas arrancou o hijab da cabeça da mulher e cuspiu no rosto dela. As outras chutaram e bateram na mulher. Um policial que estava próximo apenas assistiu. Hana Amtir, 38, grávida de três meses, se trancou em casa por três dias antes de prestar queixa na polícia.

Em um bar de praia em Tel Aviv, um garçom árabe estava retirando os frascos de ketchup e maionese, mas os homens sentados em uma das mesas ainda não tinham terminado. "Maldito árabe", eles xingaram, e então espancaram o homem, que foi hospitalizado. Nenhum dos outros clientes foi em seu socorro.

Jovens atacaram um faxineiro árabe que trabalhava para a prefeitura de Tel Aviv enquanto ele esvaziava as latas de lixo. Eles quebraram uma garrafa na cabeça dele. O homem, coberto de sangue, perguntou por que estavam fazendo aquilo com ele. "Porque você é árabe", eles disseram.

Esses ataques estão se tornando comuns em Israel, mas não se trata de soldados judeus agredindo civis palestinos na Cisjordânia. Os ataques não têm nada a ver com colonos militantes ou com a independência da Palestina, apesar desses conflitos sempre estarem na mente das pessoas.

Por décadas, judeus e palestinos têm lutado pelo mesmo pedaço de terra. Alguns deles até mesmo compartilham a mesma cidadania. Três quartos dos 8 milhões de habitantes de Israel são judeus, e 1,8 milhão são árabes israelense. Mas seus caminhos raramente se cruzam no dia a dia. Os árabes de Israel não são obrigados a servir nas forças armadas e muitos deles vivem em cidades e bairros de maioria árabe, com seus filhos frequentando escolas árabes. Eles ganham menos, em média, e não têm a mesma escolaridade dos judeus israelenses. Oficialmente, eles têm os mesmos direitos que os cidadãos judeus, mas na verdade costumam ser alvos de discriminação.

'Nós temos um problema de racismo'

A maioria judia, influenciada pelo terror e pela ameaça constante de ataque, vê a minoria árabe como uma "quinta coluna" de seus vizinhos hostis na Faixa de Gaza, Cisjordânia e toda a região.

Em vez de combater a suspeita e o ódio, os políticos têm alimentado esses sentimentos nos últimos anos, aprovando leis que promovem o tratamento desigual. Por causa dessas leis, as escolas árabes podem ser privadas de fundos se lembrarem seus estudantes sobre a expulsão em 1948, um dia de pesar para os árabes e um dia de alegria para os judeus israelenses, que o celebram desde a independência. As comunidades até mesmo são autorizadas a recusar os árabes que queiram se mudar para elas --para preservar sua "identidade judaica".

As suspeitas não são novidade, já que refletem o conflito neste país e além de suas fronteiras. Todavia, os ataques por judeus israelenses perfeitamente normais contra seus conterrâneos árabes têm sido tão brutais nas últimas semanas que o comentário tem sido surpreendentemente unânime. A mídia tanto de esquerda quanto de direita, fora isso raramente em acordo, condenou os ataques.

A imprensa israelense pode ser dura contra seu país e implacável em suas críticas. "Nós temos um problema de racismo", escreveu o jornal "Ha'aretz". E o "Yediot Akharonot" detecta o processo de dissolução de uma "sociedade que nunca conseguiu estabelecer um sistema unificador de valores para todos seus componentes".

É claro, é injusto medir a gravidade do problema contra a altamente carregada atmosfera do debate israelense, porque apesar do antissemitismo e antissionismo fazerem parte do pensamento político central no mundo árabe e serem frequentemente até mesmo encorajados pelos governos, Israel discute abertamente o racismo em casa. E, é claro, os israelenses tratam suas minorias melhor do que muitos países árabes tratam seus judeus ou cristãos. Mas Israel também atribuiu a si mesmo um padrão moral elevado, com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu descrevendo consistentemente seu país como um farol nas trevas.

Aumento acentuado de ataques

Segundo a Coalizão Contra o Racismo em Israel, um grupo composto por várias organizações, os incidentes com motivação racial quase quadruplicaram desde 2008. Foram 16 casos denunciados naquele ano, em comparação a 63 entre março de 2012 e fevereiro de 2013.

Um desses incidentes foi dirigido contra Revital Wolkov e sua colega, Suhad Abu Samira, uma mulher muçulmana de 25 anos que estava usando um hijab preto quando ocorreu o ataque. As duas professoras estavam a caminho de um funeral quando Wolkov estacionou seu carro em um setor judeu de Jerusalém, onde vivem muitos judeus religiosos e onde as traduções em árabe nas placas de rua são frequentemente cobertas com tinta. Quando as mulheres desceram do carro, elas ouviram pessoas gritando.

"Havia todo um grupo de crianças e jovens ali", disse posteriormente Wolkov em seu apartamento. Inicialmente, as mulheres não entenderam o que eles queriam. Os jovens cuspiram, atiraram laranjas e garrafas de água contra elas, gritando: "Puta árabe". Samira começou a chorar e as mulheres fugiram por uma porta.

Wolkov era criança durante a Guerra dos Seis Dias e adolescente na Guerra de Yom Kippur. Ela também foi soldado e lutou no Líbano. Todavia, as guerras não a transformaram em uma cínica. Seu rosto fica rígido quando ela fala sobre aquela tarde. Após trabalhar como professora por 26 anos, seu primeiro instinto foi buscar o diálogo, então ela saiu e se dirigiu aos jovens no estacionamento.
"Por que vocês estão fazendo isso?", ela perguntou.
"Sua vadia judia, você é amiga da puta árabe", eles disseram. As palavras ainda ecoam na mente dela até hoje. Então eles começaram a atirar pedras, e Wolkov fugiu. Quando ela voltou, os vidros de seu carro tinham sido quebrados, e os pneus rasgados.

Os israelenses se sentem superiores, mas ameaçados

Os pais de Wolkov vieram do Iêmen. Ela tem pele morena e sabe como é parecer diferente das outras pessoas. Wolkov foi uma boa aluna, mas mesmo assim um professor certa vez disse para ela, na frente de toda a classe, que ele não imaginava que uma iemenita poderia ser tão boa em matemática. Apesar de Israel supostamente ser um lar para todos os judeus, sua sociedade, como outras sociedades, é dividida pela cor da pele e pela linhagem. Os etíopes e os iemenitas estão no patamar mais baixo dessa hierarquia, enquanto os judeus descendentes de europeus estão no topo.

"Este é o Oriente Médio. Nada é normal aqui. Todo mundo é traumatizado", diz Wolkov. Muitos israelenses se sentem superiores, ela diz --militar, moral e culturalmente-- e, ao mesmo tempo ameaçados. "Aqueles que sentem medo começam a odiar", afirma.

As pessoas que vivem em Israel podem se sentir como náufragos em alto-mar. Há os radicais do Hezbollah e do Hamas, cujos foguetes estão apontados para Tel Aviv, e há os pregadores e políticos insanos na TV, do Irã à Arábia Saudita, que desejam ver Israel destruído. Aqueles que vivem lá veem constantemente imagens na TV de pessoas cheias de ódio por todo o mundo queimando bandeiras de Israel e, mesmo nos dois países árabes com os quais Israel se considera em paz, multidões furiosas invadem a embaixada israelense. E apesar do maior poderio militar de Israel, seus cidadãos estão cheios de um medo profundo.

Isso leva a sentimentos esmagadoramente antiárabes. Por exemplo, uma pesquisa feita pela Universidade de Haifa apontou que mais de metade dos judeus israelenses não quer viver ao lado de árabes. Em outro estudo, 63% dos entrevistados disse concordar com a declaração "os árabes são um risco de segurança e uma ameaça demográfica ao país", enquanto 40% sentiam que o governo devia encorajar os árabes israelenses a emigrar.

Árabes vistos como inimigos

Os moradores dos bairros ricos do norte de Tel Aviv coletam assinaturas para impedir que árabes se mudem para a área. Em outras cidades, proprietários são repreendidos por venderem ou alugarem para árabes israelenses. O prefeito de Nazaret Illit, no norte de Israel, escreveu um boletim parabenizando os moradores por manterem a população judaica da cidade em constantes "82%". Ele também convocou os moradores a "lutarem contra o direito de todos em Israel viverem onde quiserem" e até mesmo empregar "métodos que ele prefere não discutir".

"Os árabes estão sendo atacados apenas por serem árabes", diz Mordechai Kremnitzer, um professor de direito da Universidade Hebraica. Ele falou de modo lento e soou preocupado. "Dada nossas experiências, deveria estar claro que esse tipo de coisa não poderia acontecer", ele diz.

Os judeus precisam ser pessoas melhores apenas por terem sido vítimas do antissemitismo e do racismo, da perseguição e do genocídio? Isso é possível, dado o trauma e o conflito constante que enfrentam?

O estado de guerra agora faz parte da vida cotidiana, diz Kremnitzer. As décadas de poder de ocupação mostraram aos israelenses que eles são mais fortes do que os árabes, ele afirma. E um árabe, independentemente de viver em Israel ou nos territórios palestinos, é apenas uma coisa para muitas pessoas, diz Kremnitzer: o inimigo. E também é estranhamente esquizofrênico que alguém possa ser de dia um soldado servindo a um exército de ocupação na Cisjordânia, com poder quase ilimitado, e então, à noite, voltar a ser um cidadão normal com seus vizinhos árabes israelenses.

"Nossos soldados são ensinados desde cedo que os outros são inferiores a eles", diz Kremnitzer. Quase todo judeu israelense, homem ou mulher, atualmente serve no exército. Na condição de vice-presidente do Instituto da Democracia de Israel, Kremnitzer deseja se encontrar com os ministros da Justiça e Educação do país. É imperativo que as pessoas no governo ajam, ele diz. Uma entre três crianças nasce atualmente em uma família ultraortodoxa e a maioria frequenta escolas religiosas, que, em vez de ensinarem aos alunos valores universais, incutem nelas a noção de que os judeus têm o direito bíblico à sua terra.

Em vez de defenderem a coexistência pacífica, alguns políticos, especialmente os nacionalistas e os ultrarreligiosos, preferem chamar atenção para si mesmos com declarações antiárabes. O ex-ministro do Interior, Eli Yishai, se referiu aos imigrantes ilegais africanos como "invasores que estão contaminando o país com doenças".

Retórica extremista

Um legislador do Partido Likud do governo se referiu a eles como um "câncer no corpo da nação". Os africanos também estão cada vez mais se tornando alvos de ataques, em áreas como o sul de Tel Aviv, onde gangues de adolescentes visam os imigrantes. O líder delas é um ex-membro do Parlamento por um partido de extrema direita.

O presidente do Knesset, Juli Edelstein, escreveu no Facebook que os árabes são "uma nação deplorável". E Avigdor Lieberman, o ministro das Relações Exteriores de Israel até recentemente, quer transferir os árabes israelenses para a Palestina, no contexto de uma troca de território, e a revogação da cidadania daqueles que são "desleais". Ele até mesmo já pediu pela execução dos legisladores árabes que se encontraram com políticos do Hamas. Mas metade dos israelenses sente que Lieberman tem tendências fascistas.

Apesar de existirem políticos que protestam contra esses sentimentos, a retórica extremista ainda se infiltra na consciência coletiva. E com a polícia frequentemente solidária com os agressores, não causa surpresa os responsáveis pelas agressões racistas nem sempre serem punidos. "Não há punição suficiente para essas ações", diz Kremnitzer, o jurista, acrescentando que muitos dos culpados não têm senso de que o que estão fazendo é errado. "Eles acreditam que os políticos apoiam o que fazem."

Um torcedor de futebol de 23 anos, Asi diz que não é racista, apenas um nacionalista. "Eu não tenho nenhum problema com os árabes, desde que hasteiem a bandeira israelense e cantem junto quando nosso hino nacional é cantado." Lieberman usou a mesma lógica para justificar um projeto de lei que apresentou, pedindo que os novos cidadãos prestassem um juramento de fidelidade.

Asi, que mora em um pequeno vilarejo perto de Caesarea, torce pelo clube Beitar Jerusalem. Na noite de quinta-feira, ele e outros torcedores do Beitar estavam em um cruzamento em Herzliya. Asi tem um rosto amistoso e uma barba bem aparada. Com os demais torcedores, ele está aqui para uma manifestação contra a direção do clube.

Quando foi anunciado em janeiro que o clube planejava contratar dois jogadores muçulmanos tchetchenos, as arquibancadas do estádio foram tomadas por cartazes de ódio, com palavras como "Beitar - Puro para Sempre". Os torcedores cantavam: "Nós somos os escolhidos, nós somos sagrados, mas os árabes não".

Beitar Jerusalem, diz Asi, é o menorá sagrado em um fundo amarelo. A equipe, ele diz, só pode vencer como uma equipe judaica, o motivo para os muçulmanos serem impedidos de jogar pelo clube.

A direção do Beitar acabou cancelando os contratos com os tchetchenos e enviou os dois homens de volta para casa. Eram problemas demais, escreveu o clube em uma declaração.
Reportagem de Julia Amalia Heyer, para a Der Spiegel, reproduzida no UOL. Tradutor: George El Khouri Andolfato

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