sexta-feira, 21 de junho de 2013

Eleitores viram as costas a premiê turco após episódio da praça Taksim


Para o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, os protestos contra o governo que abalaram a Turquia emergiram trazendo consigo um paradoxo chocante: alguns dos manifestantes votaram nele, a maioria prosperou com a ajuda de suas políticas econômicas e alguns dos intelectuais e colunistas liberais que agora o chamam de ditador ajudaram Erdogan a vencer três eleições seguidas com seus textos.
Para os liberais e a elite urbana da Turquia, grupo que inclui alguns dos manifestantes jovens e de classe média que acamparam no Parque Gezi, na Praça Taksim, a intensa repressão policial --traduzida no uso de gás lacrimogêneo e canhões de água e na detenção de manifestantes, advogados, jornalistas e médicos-- representou a ruptura final e mais dolorosa com Erdogan e seu Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, pelas iniciais em turco).
"As coisas que aconteceram no Parque Gezi e na Praça Taksim representaram o ponto de ruptura para a esquerda", disse Cengiz Candar, um colunista popular que já apoiou Erdogan por seus esforços para reduzir o poder dos militares e promover a adesão da Turquia à União Europeia.
"Não somos nós que mudamos", acrescentou ele. "Nós continuamos sendo democratas. Nós queremos ampliar as liberdades individuais."
Quando Erdogan chegou ao poder, muitos liberais --ao contrário dos membros da velha elite secular da Turquia, que ficaram preocupados com uma possível agenda islâmica oculta do primeiro-ministro--, se esqueceram das raízes religiosas de Erdogan. Eles interpretaram a fé do primeiro-ministro no contexto da liberdade pessoal e não viam essa característica como uma ameaça à tradição secular da Turquia. Eles o abraçaram devido a seus esforços para promover a adesão da Turquia à União Europeia --processo que atualmente está estagnado-- e para garantir a autoridade civil sobre os militares, cuja influência era muito grande na Turquia.
Os turcos tiveram o apoio de muitos europeus e norte-americanos, incluindo o presidente Barack Obama, que deu as boas-vindas às reformas democráticas implementadas por Erdogan. Agora, muitos desses aliados de primeira hora dizem que Erdogan e o partido dele deram uma guinada decisiva rumo ao autoritarismo, o que obrigou esses aliados a passarem por um período de reflexão.
"Eu era um dos liberais europeus que apoiavam as políticas do AKP", disse Joost Lagendijk, ex-membro do Parlamento Europeu e colunista que vive na Turquia, referindo-se às iniciais em turco do partido de Erdogan. "Havia muita simpatia para com as reformas que eles estavam implementando."
Lagendijk afirmou que nunca compartilhou das ideologias do AKP, mas disse que se sentia atraído pelo pragmatismo inicial de Erdogan e pelo seu apoio às mudanças constitucionais destinadas a garantir as liberdades individuais e a promover os direitos da minoria curda da Turquia.
"Eu apoio a causa verde, eu sou um liberal", disse ele. "Eu não sou conservador nem religioso, mas isso não importa."
Hoje em dia, Lagendijk já teve que se defender das críticas de membros seu próprio grupo liberal, que têm lhe enviando posts via Twitter e e-mails transmitindo sempre a mesma mensagem: nós te avisamos.
Nos últimos anos, Erdogan já havia começado a se afastar de seus partidários liberais ao intimidar a mídia e tentar promover grandes projetos de desenvolvimento urbano sem ouvir a opinião da população. Então, nas últimas semanas, um grupo de manifestantes que tentava evitar a demolição de um parque de Istambul enfrentou uma violenta reação por parte da polícia, fato que desencadeou o movimento de grande porte contra o governo que desafiou a autoridade de Erdogan --cuja resposta à crise confirmou para muitos de seus antigos partidários que ele havia decidido trilhar um caminho que eles não podiam mais apoiar.
Para além de suas promessas democráticas, muitos especialistas dizem que o carisma de Erdogan conquistou muitos liberais anos atrás.
Jenny B. White, antropóloga da Universidade de Boston, passou um tempo na Turquia durante a década de 1990 para pesquisar o surgimento de movimentos islâmicos. Ela acompanhou as viagens de Erdogan pelo país enquanto ele ainda era prefeito de Istambul.
"Depois de alguns eventos, ele ignorava uma mesa cheia de prefeitos barbudos e conversava comigo como se eu fosse a única pessoa do mundo", disse ela. "Esse é um dos aspectos que realmente capturou o apoio das pessoas."
E ela acrescentou: "Os liberais votaram em Erdogan porque quando ele foi eleito, em 2002, ele fez todas aquelas coisas com as quais os liberais apenas sonhavam."
Nem todos da esquerda romperam com Erdogan. Nursuna Memecan, deputada e membro do AKP que é próxima de Erdogan e se identifica como liberal, disse que ela ajudou a organizar reuniões com a presença de alguns dos líderes dos protestos e Erdogan, na esperança de conseguir intermediar um acordo e atrair de volta alguns dos ex-aliados do primeiro-ministro. Mas isso acabou não acontecendo após um acordo preliminar para salvar o parque ter sido repudiado pela maioria dos manifestantes. Depois disso, Erdogan ordenou uma batida policial decisiva no sábado passado para retirar todos os manifestantes do parque.
Referindo-se à ascensão de Erdogan ao poder, Memecan disse: "Os liberais reais o apoiaram. Eles não tinham nenhum preconceito contra ele nem contra a religião dele ou a classe da qual ele veio. A religiosidade de Erdogan não os incomodava."
Outro paradoxo da revolta na Turquia é que muitos dos que agora criticam o posicionamento de Erdogan --um grupo composto por turcos urbanos, seculares e de classe média, em sua maioria-- se beneficiaram com o crescimento da economia que as políticas liberalizantes de Erdogan promoveram.
Merve Alici, 26, trabalha na área de publicidade e participou dos protestos. Ela vem de uma família secular e de classe média alta, mas votou no partido de Erdogan na última eleição, apesar de sua família tê-la alertado que o primeiro-ministro estava se tornando poderoso demais.
Ela disse que sua escolha foi "essencialmente pragmática".
"Primeiro, não houve oposição, e eu gostei como o AKP desafiou o poder do exército", disse ela. "E também tinha a economia. Todo mundo quer estabilidade e prosperidade econômica, e essas eram promessas de campanha de Erdogan."
Ela disse que participou das manifestações na Praça Taksim todos os dias e que, por conta disso, não poderá votar em Erdogan novamente, especialmente depois de ele ter chamado os manifestantes de terroristas e ordenado que a tropa de choque da polícia enfrentasse a multidão.
"Ele é um gênio político e está manipulando a verdade com o propósito de manter seus eleitores fieis a ele", disse Alici. "Ele hostiliza os manifestantes de propósito com suas palavras duras. Eu não sei o que ele está pensando."
Outro ex-defensor de Erdogan que participou dos protestos foi Esen Guler, 39, guitarrista cuja banda tocou na praça.
"Eu votei em Erdogan nas duas últimas eleições pois eu acreditava que ele iria nos conduzir à democracia", disse ele. "Mas o poder subiu à cabeça dele. Erdogan não é mais um político moderado, mas sim um ditador brutal atacando seus conterrâneos."
Trabalhadores municipais têm plantando flores na Praça Taksim e limpado as pichações contra Erdogan. Quando a praça estava tomada por milhares de manifestantes, muitos deles jovens que estavam se expressando politicamente pela primeira vez, os analistas começaram a dizer que a política turca nunca mais seria a mesma. Agora que a praça foi esvaziada pela mão forte da polícia, o significado do que aconteceu ali parece menos claro.
"As feridas ainda estão abertas", disse Candar. "As lições que precisam ser interpretadas ainda estão numa fase inicial. É difícil dizer como é que as coisas podem ser diferentes, mas com certeza elas vão ser diferentes."
Tim Arango, com reportagem de Ceylan Yeginsu, para o The New York Times, reproduzido no UOL
Tradutor: Cláudia Gonçalves

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