O presidente Barack Obama está oferecendo uma visão sobre o papel dos Estados Unidos no mundo que ele espera ser um dos seus legados. Essa visão provavelmente guiará sua política externa nos três anos e meio que lhe restam de mandato.
A ambiciosa abordagem substitui a política externa muscular -dominada pelos militares e pelos serviços de inteligência- por uma diplomacia ativa, pela ajuda internacional e por uma resposta mais comedida ao terrorismo. Mas ela acarreta riscos e está refém de forças muitas vezes alheias ao controle do presidente americano.
Da desgastante guerra civil na Síria à ameaça extremista no Iêmen, passando pela tóxica relação americana com o Paquistão e pela retirada das tropas do Afeganistão sem um sentido claro do que vem depois, há vários obstáculos para que os EUA abandonem seu "perpétuo pé de guerra", como quer Obama.
Um dos mais assombrosos obstáculos é a vasta burocracia de guerra que, nos últimos 12 anos, angariou gradualmente grande influência e poderosos defensores no Congresso.
Será difícil reverter essa militarização da política externa, mesmo com os cortes orçamentários no Pentágono.
Tampouco poderá Obama escapar do seu próprio papel em colocar os EUA em pé de guerra.
Ele chegou ao cargo prometendo tirar os EUA das guerras no Iraque e no Afeganistão, mas, em um ano, já havia ordenado o envio de 30 mil soldados adicionais ao Afeganistão. Sob seu governo, ocorreu também uma expansão significativa de ataques clandestinos com "drones" (aviões não tripulados).
"Não temos a ilusão de que não há desafios", disse o assessor presidencial Benjamin Rhodes, autor do discurso que marcou o fim da era do 11 de Setembro.
"Mas não deveríamos ser definidos por nosso papel no [combate ao] terrorismo, pelos ataques aéreos que ordenamos ou pelas pessoas que prendemos."
Rhodes disse que a Casa Branca está mais preocupada com o aumento do extremismo em decorrência da Primavera Árabe.
No entanto, o mais sangrento desses conflitos, na Síria, revela os limites da política de Obama. Ele tem evitado o envolvimento americano, apesar dos sinais de avanço de grupos extremistas ligados à Al Qaeda.
Foi revelador que nem o presidente, no seu discurso de 23 de maio, nem seus assessores, posteriormente, tenham feito declarações firmes sobre onde os EUA poderão executar assassinatos dirigidos ou se os ataques com "drones" serão a partir de agora realizados pelo Pentágono ou pela CIA.
Fontes governamentais falaram sobre uma "preferência" em confiar operações letais a militares, mas disseram que o presidente Obama preservou o direito de pedir à CIA que faça bombardeios secretos com "drones" em países distantes.
Mesmo que o núcleo da Al Qaeda seja erradicado, disse Rhodes, "a gente vai querer preservar certas capacidades que desenvolvemos". Essa é uma forma discreta de dizer que os EUA, tendo descoberto a aterrorizante eficiência dos "drones", dificilmente irá parar de usá-los.
Obama também renovou a ênfase na diplomacia e na ajuda internacional, que descreveu como formas importantes de tratar das "insatisfações e conflitos subjacentes que alimentam o extremismo", mesmo que os avanços obtidos pelos diplomatas sejam dolorosamente lentos.
Como que salientando isso, John Kerry está se revelando um secretário de Estado surpreendentemente ativista, fazendo o leva e traz diplomático entre israelenses e palestinos e virando o homem do governo para a questão síria.
Mas também é verdade que o governo está buscando uma solução diplomática na Síria porque há pouquíssimo apoio popular a um envolvimento militar americano e todas as outras opções disponíveis acarretam riscos.
O problema com esse novo foco é que o governo neste ano reduziu em 6% o orçamento do Departamento de Estado e da Usaid (agência de ajuda internacional), de US$ 51 bilhões para US$ 47,78 bilhões, refletindo um aperto orçamentário geral. O impacto desses cortes é ainda maior por causa do acréscimo de US$ 1,5 bilhão nos gastos de segurança com instalações e pessoal diplomáticos.
Mas, à medida que puder ser realizada, a visão de Obama representa uma radical reordenação dos centros de poder em Washington: fortalecer o Departamento de Estado, reajustar gradualmente o foco da CIA para a tradicional coleta de informações e entregar ao Pentágono a responsabilidade primária por operações letais.
Grupamentos militares de elite realizariam incursões ou ataques com "drones" apenas em casos excepcionais. Mais provavelmente, soldados das Forças Especiais treinariam e assessorariam forças nativas para combaterem militantes em seu solo, dispensando as forças dos EUA dessa tarefa.
Alguns especialistas em defesa dizem que o presidente ignorou alguns dos problemas mais complicados, incluindo o papel dos EUA na guerra do Afeganistão e a falta de clareza na campanha de assassinatos dirigidos.
Anthony Cordesman, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, criticou o discurso como sendo um "exercício acadêmico" e disse que Obama ainda não tratou publicamente dos problemas que os EUA enfrentam ao tentar encerrar a guerra no Afeganistão.
O que o discurso de Obama deixou de dizer foi que uma das suas maiores motivações é desvincular os EUA do Oriente Médio para que o país possa então focar a Ásia. É um sonho que, há uma geração, seduz os presidentes americanos.
Como disse Rhodes: "Gostaríamos de uma política externa que não seja necessariamente consumida ao tentar controlar milícias num pedaço de deserto".
Texto de Mark Landler e Mark Mazzetti, para o The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo.
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