Com o impeachment da presidente Dilma Rousseff, enterra-se a 4ª. República, iniciada com a Constituição de 1988.
Lembro-me do dia em que, brandindo seu texto nas mãos, Ulysses Guimarães promulgou a “Constituição cidadã”. Eu estava em Porto Alegre, na abertura da Conferência Anual da OAB, num recinto onde cabiam 3.000 pessoas. Ao se exibir a cena, no telão, nós todos levantamos e cantamos, emocionados, o hino nacional.
Cometemos vários erros na Constituinte. Considero mais graves estes três: a) havermos subestimado, ou ignorado, o neoliberalismo, que estava para chegar; acreditávamos que, para preservar a democracia, bastavam os instrumentos da Constituição de 1946; b) termos estabelecido o quórum de 3/5 (inferior ao da nossa tradição) para a reforma da lei magna; c) termos conferido exagerados poderes ao Supremo Tribunal Federal.
Aquilo que, por primeiro, se apontou como o maior erro da Constituinte (haver produzido uma Constituição analítica) mostra-se um acerto: o povo desconfiava dos poderes constituídos. Tinha razão, pois foram estes que, conluiados com os clássicos inimigos da democracia constitucional, viriam a matá-la.
A história dessa traição começou no dia imediato ao da promulgação, quando o presidente Sarney, inspirado por Saulo Ramos, declarou que a União não cumpriria o art. 192 (aquele que limitava o valor dos juros). Algum tempo depois, provocado pela Febraban, o Supremo Tribunal Federal convalidaria essa insubordinação, mostrando a que vinha. Tinha razão o professor Lamartine Correia de Oliveira, ao dizer que não poderiam permanecer nele os antigos ministros, que haviam compactuado com a exceção. Basta assinalar que, promulgada a nova Constituição, os srs. Ministros não se preocuparam em fazer (e não fizeram até hoje) o que imediatamente se impunha: adaptar, à nova ordem constitucional, o seu regimento interno, que fôra elaborado durante a ditadura.
Coveiros da Constituição foram os congressistas, que retalharam o texto constitucional com emendas cujo número chega hoje a quase cem; são eles que, agora, lançam a pá de cal, afastando, sem causa jurídica, a presidente eleita pelo voto popular.
Quando se restaurar a democracia, saberemos utilizar as lições que, hoje, estamos recebendo da história. Pena que, para o povo (vale dizer os mais pobres, os discriminados, os excluídos), o preço seja tão alto. ---
Sérgio Sérvulo da Cunha - Advogado, autor de várias obras jurídicas. Foi procurador do Estado de São Paulo e chefe de gabinete do Ministério da Justiça.
Reprodução do Jornal GGN.
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