quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Oftalmologistas discutem como salvar olhos atingidos em protestos violentos

O uso de gás lacrimogêneo, balas de borracha e outras armas não letais pela Polícia Militar para conter protestos está obrigando os oftalmologistas a se atualizarem para lidar com ocorrências de problemas oculares em São Paulo.
O 60º Congresso Brasileiro de Oftalmologia, no começo do mês, teve até palestra, "Traumatismo ocular na era dos 'black blocs'", de Emerson Castro, doutor pela USP e membro da Sociedade Brasileira de Trauma Ocular.
Médico do Hospital Sírio-Libanês, próximo da av. Paulista, onde ocorrem muitos protestos, ele tem observado um aumento de casos relacionados a armas não letais.


O que existe de informação médica sobre o assunto?
Estamos aprendendo a lidar com isso, são coisas novas até mesmo para os médicos. Nem existem papers sobre o assunto no Brasil. A palestra no congresso estava totalmente lotada, foi um dos assuntos quentes do evento. Agora essas armas vão fazer parte da rotina e precisamos saber como gerenciar esse tipo de situação.
Toda semana tem manifestação e toda semana tem gás de pimenta. Para piorar, a internet dissemina mitos sobre como as pessoas devem se tratar [quando atingidas].
Quais são os mitos?
Quando um produto químico entra em contato com o olho, não se deve tentar neutralizá-lo com outra substância. Isso pode causar uma reação exotérmica. O olho fica quente e a situação piora. Não use vinagre, antiácido, xampu nem leite.
O que fazer?
O principal é ter calma e evitar esfregar os olhos. Lave com soro fisiológico ou com água corrente. Nos protestos, não use lentes de contato. O gás tende a aderir a elas.
Se tiver que fugir do gás, corra com os braços abertos porque ele tende a aderir à roupa. O vento ajuda a dissipá-lo. Cuidado na hora de tirar a roupa para não queimar a pele. Às vezes é melhor até cortá-la. Evite abaixar: o gás tem resíduos sólidos que podem descer. Se a irritação não melhorar, procure um médico.
Que ferimento é comum?
São aqueles causados pelo gás lacrimogêneo e pelo gás de pimenta, que geralmente não causam tantos problemas. O grave é ficar exposto a eles por muito tempo, o que causa reações alérgicas.
Solventes do spray de pimenta podem causar lesões mais sérias. Agora, um estilhaço de bomba no olho é supergrave. A bala de borracha é um perigo porque vem numa velocidade muito grande. Quando atinge diretamente o olho, a chance de cegueira é enorme.
Existem protocolos que a PM deveria seguir, como não atirar no rosto das pessoas. Mas, quando você dá para o policial uma arma, é difícil na hora ele seguir o protocolo.
Por isso defendo fortemente que a polícia pare de usar [essas armas]. Eles chamam de não letais, mas elas têm um potencial de dano muito grande. Há vários casos de jornalistas que ficaram cegos, de arrancar o olho, de deformar. Há outras formas de se conter as pessoas.


Reprodução de parte da coluna de Mônica Bérgamo, na Folha de São Paulo

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