A passeata em São Paulo no domingo (4) foi maior e mais aguerrida do que
as em defesa de Dilma. A presidente se tornara um empecilho à soberania
popular porque era penoso defender o seu segundo mandato, calamitoso de
cabo a rabo.
Agora, ninguém quer que Dilma volte. A conversa mole de reverter no
Supremo o golpe tabajara (apud Joaquim Barbosa) é isso mesmo, conversa
mole. A casta está hoje preocupada em separar o joio do trigo. Para
proteger o joio.
Porque só então ela poderá reorganizar, em bases arejadas e
sustentáveis, a corrupção. O bode expiatório da nata parlamentar é
Eduardo Cunha. Se pegar bem, ela imolará o sumo-sacerdote do impeachment
no altar da moralidade, adocicando o azedume geral.
Aí o pântano se esfalfará na excelsa missão de entregar a arraia-miúda à
clarividência do mercado (privatização), para que ela trabalhe mais
(reforma da Previdência) e ganhe menos (fim da CLT). Em troca, ofertará
serviços de quinto mundo (congelamento dos investimentos em saúde e
educação por 20 anos).
A política oficial não se reduz a isso. Há também Temer. Ele causou na
China. Nosso Marco Polo vestiu uma camisa com listas verticais que nos
anos 70 andou na moda em Tietê, berço de tantos fashionistas e
estadistas. Garboso, fez-se fotografar com uma vendedora de sapatos
ajoelhada a seus pés.
Por essas e por outras, a tônica do domingo foi a ressurreição das
diretas já. Havia na avenida Paulista dezenas de milhares de pessoas de
todo tipo, e não apenas a melancólica clientela sindical. Não faltou
entusiasmo e sarcasmo –crianças levavam cartolinas onde estava escrito
"Fora Michelzinho". No registro da passeata, contudo, o que sobressaiu
foi o quebra-pau no Largo da Batata.
A Polícia Militar é tida como uma força que bate antes e pergunta
depois, que se regozija em revidar, tendo motivo ou não. Na semana
passada, por exemplo, ela não precisou de pretexto para jogar gás
lacrimogêneo no Sujinho, na rua da Consolação. A brutalidade foi
interrompida apenas na Marcha com Deus pela Família, em 1964, e nos atos
pelo impeachment.
Mas há de fato quem queira brigar e depredar, os black blocs. Eles são
poucos e vários. Há batedores de carteiras e celulares. Lumpens em busca
de balbúrdia. Anarquistas que fariam Bakunin corar. E, como se viu em
2013, em ações documentadas por vídeos, há policiais provocadores. Uns
querem adrenalina. Outros, que a contestação murche.
Um testemunho pessoal: na passeata de domingo, dirigentes da CUT e dos
sem-terra interpelaram encapuzados. Obrigaram-nos a se descobrirem e os
soltaram depois de averiguar se levavam pedras ou rojões.
A bagunça começou depois de encerrada a manifestação, quando
funcionários do Estado fecharam a estação de metrô. Um grupinho atirou
pedras e gritou. O tumulto piorou quando a polícia do Estado baixou o
sarrafo em gregos e goianos.
A contestação só poderá aumentar se os partidos, sindicatos e
organizações que a organizam coibirem a violência. Só elas podem
proteger quem queira se manifestar, neutralizando os agressores. A
violência é um problema para os contestadores, e não para a polícia.
Como a política extraparlamentar é a única que pode fazer face ao
retrocesso civilizacional, é um problema e tanto. Fazer de conta que a
questão inexiste ou é menor, e acreditar na neutralidade do Estado,
foram ilusões que custaram ao PT a perda do poder.
Texto de Mário Sérgio Conti, na Folha de São Paulo.
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