sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Mais um golpe para a história

Acossado pela direita raivosa, acusado de acobertar a lama da corrupção do seu governo, Getúlio Vargas, com um tiro mortal, em 24 de agosto de 1954, saiu da vida para entrar no mito. Perseguido pela oposição, suspeito de querer implantar o comunismo no Brasil e de enriquecer às custas do patrimônio público, Jango, em abril de 1964, saiu do país para entrar na história. Destituída da presidência da República, supostamente por ter cometido crimes de responsabilidade, Dilma Rousseff sai do poder para, ao lado de Getúlio e de Jango, compor a tríade dos presidentes sacrificados pelas elites ressentidas e incapazes de chegar ao poder pelo voto e nele permanecer. Fim.
Getúlio, o pai da legislação trabalhista ainda em vigor, caiu em desgraça por ter aumentado o salário mínimo em cem por cento e por ter criado a Petrobras. Jango começou a desabar ao abraçar as reformas de base, entre as quais a agrária, a educacional e a habitacional. Depois da queda de Dilma, os velhos novos donos do poder tentarão, mais uma vez, acabar com a Era Vargas. Vem aí o desmonte da CLT. O que une Getúlio, Jango e Dilma? O Rio Grande do Sul, embora Dilma seja mineira, o trabalhismo, ainda que a presidente tenha sido eleita pelo PT, a ira da direita e da mídia e as acusações não comprovadas. Jango e Dilma teriam sido presidentes incompetentes. Nada se provou contra Jango. Nenhuma acusação direta de desonestidade pesa contra Dilma. Getúlio terminou menos rico do que quando chegou ao poder. Três presidentes, três destinos, três golpes fatídicos.
Getúlio fez a escolha trágica. Jango sofreu o golpe clássico. Dilma experimenta o golpe brando. Vargas preferiu o silêncio da morte. Jango optou pela solidão do exílio. Dilma foi ao Senado defender-se com um discurso consistente, claro e convincente. Falou para ouvidos moucos. Questionada pelos senadores, resistiu por três turnos, serena e esclarecedora. Getúlio, Jango e Dilma foram vítimas da mídia e de um conluio de elites. O multipremiado jornalista norte-americano Glenn Greenwald disparou: “Uma presidente eleita duas vezes está sendo tirada de seu cargo por uma gangue de criminosos para pôr no lugar uma facção de direita não eleita e inelegível”. O jornal francês Le Monde, em editorial, classificou o impeachment de Dilma Rousseff como golpe de Estado ou farsa. Uma tragicomédia devastadora.
Caberá ao Supremo Tribunal Federal responder a uma questão simples: houve, nos termos da lei, crime de responsabilidade? É sua atribuição dirimir dúvidas e ser última instância de litígios. Os golpistas pretendem que o STF não tem direito de se pronunciar sobre essa questão. Por que não? Por que não lhes é conveniente. Em 1964, o STF avalizou o golpe. Agora, tenta ser um tribunal antropológico, só cuidando de rituais. A história não o poupará. Também não poupará a Câmara dos Deputados se Eduardo Cunha não for cassado. O próximo capítulo mais provável é a condenação de Lula para que ele não possa ser candidato em 2018. Dilma volta para casa. O seu nome agora vai figurar sempre ao lado dos nomes de Getúlio e Jango. Em certas noites, ele ouvirá a sentença sempre injusta, autoritária e expedita da Rainha de Copas, de Lewis Carroll, em Alice no país das maravilhas:
– Cortem a cabeça!

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