O Brasil enfrenta um momento de grave divisão interna, e o caso da Petrobras envergonha a todos, mas nossos problemas estão longe da crise profunda, estrutural, em que se encontra mergulhado o México.
O fato desencadeador da crise foi o trágico massacre --em setembro do ano passado-- de estudantes da escola de professores Ayotzinapa, da cidade de Iguala, pela polícia municipal em conluio com criminosos sob a direção do prefeito.
O massacre provocou uma grande onda de protestos no México, enquanto a popularidade do presidente Enrique Peña Nieto caia vertiginosamente, dada sua incapacidade de reagir. Não é uma crise apenas do presidente mexicano ou do sistema político do país.
A jornalista desta Folha Sylvia Colombo escreveu à época que a crise revelava "dois Méxicos" --o moderno, industrial e o "que opera pela lógica do crime organizado, na qual imperam a extorsão, o sequestro e a pistolagem".
Não estou seguro que existam dois Méxicos. Existe um México rico e "moderno", americanizado, mas que está longe de apresentar taxas de crescimento satisfatórias que mostrem um país voltado para o futuro. Desde que o México aderiu ao Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), em 1994, é o país que menos cresceu na América Latina. O México que eu vejo é o do crime organizado, da falência do Estado e, mais do que isto, da destruição da nação.
As sociedades antigas eram organizadas em tribos, cidades e impérios. As sociedades modernas, em nações, cada uma com seu respectivo país ou Estado-nação. É nesse contexto histórico que nação e Estado se constroem mutuamente. É no quadro da nação que os grandes valores e objetivos sociais são definidos. O Estado nas sociedades modernas só existe realmente quando seu poder é dotado da legitimidade que só a nação lhe pode dar.
Considerados esses princípios, quando uma sociedade perde a ideia de nação e se torna colônia, ela entra em decomposição. Foi isso que ocorreu com o México. Com sua integração ao Nafta, o país tornou-se, na prática, uma colônia dos EUA. Suas elites deixaram de se identificar com seu povo e passaram a se associar de forma subordinada às elites do vizinho ao norte.
Ora, sem nação ou sociedade civil nacional, o país perde rumo. Seu povo perde referências, suas elites limitam-se a procurar reproduzir por todos os meios os padrões de consumo dos países ricos.
Não há mais a ideia de uma nação que se renova todos os dias diante dos novos desafios que estão sempre surgindo. Não há mais critérios para enfrentar os novos problemas que surgem, não há mais a solidariedade básica que é necessária para uma nação poder afirmar seus valores e fazê-los valer.
É triste ver tudo isso acontecer a um povo orgulhoso por sua origem, um país cuja grande revolução de 1910 fazia inveja aos demais povos da América Latina. No passado, quando visitava o México, eu sentia ali uma nação forte e um país pujante, via a nação de Diego Rivera e de Octavio Paz. Hoje vejo uma nação dividida e perplexa, e um país que é uma sombra do passado.
Haverá uma saída para uma situação com essa gravidade? Poderá o México refundar sua nação e se renovar? Creio que sim, mas não existem receitas simples para um problema tão difícil. A solução terá que ser encontrada no quadro da própria nação mexicana a ser reconstruída.
Texto de Luiz Carlos Bresser-Pereira, publicado na Folha de São Paulo.
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