sábado, 7 de fevereiro de 2015

Solte a franga no Carnaval

Nunca pensei que viver em 2015 seria tão careta e tão –ou mais– difícil do que nos anos 1990, ou antes disso.
Seja homem ou mulher, sempre tem alguém pra dizer que você é errado, é depravado, é contra os princípios da família, tradição e propriedade. Nunca imaginei que a pelada do Carnaval de hoje fosse mais coberta e censurada que a dos anos 1980, que homem passando o rodo seria estimulado, e mulher rodando aquela baiana que há em seu ventre poderia ser ainda hostilizada ou rotulada.
Dedico esta coluna a duas mulheres que peitaram com muita inteligência, coragem e senso de humor a babaquice generalizada e entranhada em nossas vidas. Renata de Carvalho Rodrigues e Debora Thome compraram uma briga, que nem mesmo elas sabiam que seria uma briga. Ao criarem o Bloco das Mulheres Rodadas, o que era para ser uma manifestação bem-humorada, começou a ganhar contornos políticos, com gente mais disposta a vomitar regras do que a se divertir.
O bloco surgiu depois de uma coluna publicada por mim, aqui no site daFolha, que satirizava um post da página Jovens de Direita, no Facebook. Os defensores da honra postaram uma foto de um cara segurando um cartaz que dizia: Não mereço mulher rodada.
Fez-me rir. O que é uma mulher rodada? Onde vivem? Do que se alimentam? Usam IOS ou Android?
O bloco, que sai na Quarta-Feira de Cinzas, no Largo do Machado, no Rio de Janeiro, já tem quase 10 mil adesões. Sim, estou aqui divulgando o bloco por uma boa causa e por minha causa também. Renata e Debora quiseram chamar atenção para um problema velho, que continua muito atual: o machismo. Escolheram uma maneira lúdica, tentando fazer com que todo mundo, mulheres e homens, pensem sobre a hipocrisia que ainda reina nas relações e permeia a vida das mulheres.
Quando publiquei "Você é uma mulher rodada?", fui chamada de puta, vagabunda e vários outros adjetivos nada simpáticos. Renata e Debora foram acusadas de estimular o machismo porque deram espaço a um texto de um homem, que se dizia fascinado por mulheres rodadas e vividas. Ele dizia claramente que preferia uma assim. E daí? Eu detesto o tipo cafa, ou que more com a mãe, ou que curta música sertaneja, ou não saiba quem é Coltrane. Vão me acusar do que?
As feministas mais xiitas caíram de pau no autor do texto, nas criadoras do bloco e em mim, que não vi nada de errado no que estava escrito, ainda que nem tenha gostado. Quiseram politizar um bloco de Carnaval.
Tentaram excluir os homens da conversa (na cabeça dessas engajadas, se você é homem, não tem que se meter). Fui acusada de branca, elitista e preconceituosa. Pois é, sou branca, trabalho muito e fui tratada com um preconceito muito pior do que aquele pelo qual fui acusada. Preguiça.
Todo esse trololó é pra dizer que o mundo está chato, mas tem gente se esforçando para deixá-lo mais divertido. Se você gosta de Carnaval, se garante no samba, na igualdade de gêneros, sem mimimi e chororô, vem com a gente, solte a franga, o chapeuzinho vermelho, a índia-guarani, o pau de selfie. Sim, o bloco é um protesto, mas o inusitado dele está justamente em usar a brincadeira e aproveitar o Carnaval pra falar de coisa séria.
Tem os que prefiram passeata, cartaz e megafone. O Bloco das Mulheres Rodadas diz um não bem grande ao machismo com música e samba no pé. Prefiro desse jeito.


Texto de Mariliz Pereira Jorge, na Folha de São Paulo

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