O que me incomoda em certos religiosos, notadamente aqueles que abraçam a política, é que não se limitam a venerar seus deuses e a pregar para quem esteja disposto a ouvi-los --o que é plenamente legítimo--, mas insistem em determinar como os outros devem viver suas vidas --algo que revela seus pendores liberticidas.
É perfeitamente razoável que um cristão devoto não queira usar os serviços de uma prostituta (embora alguns o façam à sorrelfa). Penso ainda que ele deve ter o direito de criticar-lhes o comportamento. Se elas, porém, escolheram livremente viver assim e encontram compradores para o que têm a oferecer, isso é problema exclusivo das partes envolvidas.
É ridículo o veto que a bancada religiosa impôs a uma campanha publicitária do Ministério da Saúde por trazer peça com a frase "sou feliz sendo prostituta". Para começar, essa é uma atividade legal, assim como a de clérigo ou parlamentar. Em segundo lugar, estudos mostram que a felicidade é uma condição que tem mais a ver com hereditariedade do que com fatores externos, cuja influência tende a ser transitória. Isso significa que não há nenhuma contradição entre exercer o meretrício e ser feliz.
Até faria sentido discutir se a campanha seria eficaz e se faz sentido despender dinheiro público nessa rubrica, mas não foi esse o caminho escolhido pelos críticos. Na verdade, eles não parecem ter problemas em direcionar gastos do governo para interesses de segmentos específicos da população, já que não reclamam do fato de os contribuintes de todos os credos estarem pagando mais de R$ 100 milhões para custear a visita do papa ao Brasil.
Pior só a atitude do Ministério da Saúde de demitir Dirceu Greco, que dirigia o Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, e era o responsável pela campanha. O governo, na verdade, é reincidente nessa matéria. E depois dizem que a oposição e o Supremo são conservadores...
Texto de Hélio Schwatsman, na Folha de São Paulo.
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