quinta-feira, 6 de junho de 2013

Mulher


Chamas a noite de vadia
Pelo desejo que sentes
de te perder dentro dela.

Esse medo que desde menina
É o que mais te fascina
No enigma da solidão.

Querias crescer antes do tempo
Para ganhar as ruas e estradas
E apagar sozinha as estrelas
No outro lado da imensidão.

Fugias na ponta dos saltos
dos lindos sapatos azuis
para iluminar as vitrines
com teus olhos de cobalto.

Desde muito cedo sabias
Que nada te impediria
De navegar até o alto
Da cidade incendiada.

Chamas a noite de vazia
Esquecendo que mentes
Por medo de encontrar
Nela o que perdeste
Na passagem dos anos.

Perdeste dias, homens,
Amores, algumas flores,
Ônibus, bonecas e donos.

Chamas a noite de cadela
Porque não queres que ela
Te surpreenda sem roupa
À espera do último amante.

Mas sabes que viveste
E que nada pode lavar
Essa marca da tua boca.

Que importa se te chamam
De faminta ou de louca,
De loba ou de mulher?

Só importa que te reclamam
E lembram de tuas promessas.

Foste no tempo caravela,
Tigresa, pintura e igreja,
Mar interior e ravina.

Entre as tuas pernas,
Nesse despenhadeiro,
Naufragaram os bravos.

Tantos acenderam velas
No seio do teu altar
Que não se tem contas
De quantos escravos
te pediram correntes.

Cheiravas a jasmim,
A canela, a cravos.
Nesse tempo, sabias
De ti como de mim.

Depois, enfim, a noite,
Serena, se encarregou
De desiludir o amanhecer.


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