Nem a "investigação" do ministro da Justiça se justifica, antes
devendo-se um agradecimento a esse precário Alexandre de Moraes; nem é
verdadeiro que desembargadores paulistas tenham apenas anulado os cinco
julgamentos e condenações precedentes dos 74 PMs do massacre de 111
presos no Carandiru.
A tal investigação, por Moraes ter informado jornalistas de nova
operação da Lava Jato nesta semana (a prisão de Antonio Palocci), está a
cargo da Comissão de Ética da Presidência. A Comissão, porém, não tem
condições de investigar a ética de alguém, se não olha à sua volta e
toma as providências consequentes.
Está na sua vizinhança, com banca de ministro na Presidência, um "anão
do orçamento", integrante do grupo de deputados que fraudava o Orçamento
nacional em proveito próprio. Também com banca na Presidência, também o
recordista de fraudes em concorrências, mancomunado com as grandes
empreiteiras quando governador do Estado do Rio. E, para não perder mais
tempo, um presidente homenageado por delações na Lava Jato e pendurado
em processos na Justiça Eleitoral. Nenhum deles notado pela Comissão de
Ética.
Acima de tudo, Alexandre de Moraes fez uma delação verdadeira. Quando
delações de óbvia falsidade são feitas para receber prêmios, e aceitas
como válidas, a delação que se comprovou, já de um dia para o outro, não
deveria passar pela inversão ética de ser ela a perseguida.
Se esses argumentos forem insuficientes, ainda há o serviço prestado ao país por Alexandre de Moraes,
como convém a um ministro da Justiça. No governo Dilma, os aécios não
se cansaram de propalar que o governo interferia na Lava Jato,
prejudicava-a, queria controlá-la. Até que o procurador Carlos Fernando
dos Santos Lima, em nome da Lava Jato, disse que o governo jamais fez,
ou tentou, qualquer interferência na operação.
Moraes e sua delação aos repórteres revelaram mudança essencial.
Mostrar-se informado de próximas ações da Lava Jato significa que o
governo atual extinguiu a distância que o separaria das operações, como
se deu com a liberdade plena entregue, por Dilma e José Eduardo Cardozo,
à ação da Polícia Federal.
Conhecimento das ações da Lava Jato, sendo a PF subordinada ao ministro,
só tem sentido se for para praticar o poder hierárquico de influência.
Para quem se lembra do que disseram Romero Jucá e outros, sobre a
necessidade e modo de "parar essa sangria" feita pela operação, Moraes
deu sinal de grande utilidade. Por mim, muito obrigado.
O sexto julgamento do Carandiru, por sua vez, ocorre quase um quarto
século depois do massacre. Os desembargadores Ivan Sartori, relator,
Camilo Léllis e Edison Brandão determinam que o processo volte ao
começo. Por sorte, não pensaram em começá-lo um pouco mais atrás, pelo
morticínio de 111 presos.
Cinco conjuntos de condenação anulados em sequência, um quarto de século
de liberdade e impunidade dos acusados –o que é isso, se não for uma
forma de absolvição? Os 74 PMs estão absolvidos de fato, em demonstração
irrefutável do massacre que o sistema de Justiça –não os juízes como
indivíduos, o sistema que os engolfa– aplica na ideia de Justiça.
Texto de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo.
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