Desde que Alexandre de Moraes posou para um vídeo ceifando pés de
maconha com uma peixeira, se sabe que ele é um ator despudorado. Vestido
de preto da careca às botas, brandindo o facão para lá e para cá, o
titular do ministério mais antigo, o da Justiça, criado antes da
Independência, virou um astro da política da noite para o dia.
O audaz ataque se deu numa plantação na fronteira paraguaia. Foi um
comercial corriqueiro, daqueles no qual um político simula enfrentar os
problemas sob a sua alçada. Como quando o
ministro da Saúde vai a hospitais, ou o da Educação a escolas. Encenar
uma armação num cenário real é um clichê que, de tão reiterado, ficou
inócuo.
O inédito no desempenho de Moraes foi a sua garra eletrizante. Ele se
inspirou em Bruce Willis, no tipo que arregaça as mangas e parte para a
ignorância. Como os arbustos de maconha se acovardaram diante da sua
arremetida furiosa, a encenação ficou canhestra. Mas o recado foi dado:
Alexandrão está de peixeira em punho, não mexam com ele.
Em março, o modelito másculo fora o mesmo. Ainda secretário da Segurança
de Geraldo Alckmin, Moraes foi a um ato pela derrubada de Dilma na
avenida Paulista. O protesto se arrastava havia 18 horas, mas ele não
foi lá zelar pelo sacrossanto direito dos motoristas (que pagam
impostos!) ao engarrafamento, cláusula pétrea do programa tucano.
Queria pegar carona na onda contra o PT. Com o terno lustroso, seu
figurino clássico em entrevistas, deitou falação na frente da Fiesp para
câmeras e microfones. O seu oportunismo foi captado de imediato. Veio o
grito "aproveitador!", seguido de vaias e de "ladrão!" Os apupos se
tornaram belicosos. O que fez Moraes? Espelhou-se em John Malkovich.
Foi uma atuação soberba. Protegido por meia dúzia de meganhas, ele
adotou um andar melífluo —não tão lento que parecesse provocação, nem
tão rápido que evidenciasse a fuga. O seu semblante transmitia toda uma
paleta de emoções contraditórias, do medo de levar uns cascudos ao pavor
de parecer covarde, enquanto calculava com frieza o que seria melhor
para o seu futuro.
Moraes voltou às telas no domingo. Ao fazer campanha por seus
correligionários tucanos no interior paulista, disse que haveria uma
nova investida da Lava Jato nessa semana. E profetizou que seria
lembrado pela plateia assim que a Polícia Federal agisse. Não deu outra,
a PF prendeu Antonio Palocci na manhã seguinte.
Moraes foi lembrado sim —só que como um político que está informado
sobre ações policiais das quais não deveria ter ciência, um ministro que
usa a Lava Jato para proteger o governo e assediar os seus adversários.
Pego sem maquiagem, Moraes embromou com galhardia. Yul Brynner teve o
topete de acusar a imprensa de deturpar o que afirmara.
Aí surgiu o vídeo mostrando o que de fato disse no domingo. A conclusão é
inequívoca: cheio de certezas, um Moraes muito à vontade demonstrou que
não só sabe o que a Lava Jato fará como se jacta de o saber. Se um
ministro de Dilma incorresse em tal abuso de autoridade, o cinema viria
abaixo.
Mas o protagonista da chanchada em cartaz é Michel Temer, que Antonio
Carlos Magalhães dizia ter a fatiota de mordomo de filmes de terror.
Convém, no entanto, que o júri do Festival de Gramado dê uma olhada nos
vídeos de Moraes na internet. Apesar da concorrência renhida, ele é um
candidato forte ao Kikito de coadjuvante.
Texto de Mário Sérgio Conti, na Folha de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário