1- A origem: em 2009 a Polícia Federal (PF) instaurou inquérito para investigar empresas do então deputado Federal José Janene (PP) e deparou com indícios de lavagem de dinheiro que culminaram, cinco anos depois, na ação que levou à prisão doleiros, altos executivos e agentes políticos e públicos.
Segundo os responsáveis pela operação a origem de tudo está na apuração do uso da empresa Dunel Indústria e Comércio Ltda para lavagem de capitais por meio da CSA Project Finance, que teria à frente pessoas ligadas ao deputado Federal Janene que morreu em setembro de 2010. Mas os indícios de crimes reunidos até aquele momento levaram a investigação adiante, com interceptação de telefones e e-mails. O alvo: o doleiro Carlos Habib Chater, que tinha como base de atuação o Posto da Torre.
Foi este tradicional ponto de venda de combustíveis em Brasília que inspirou o nome da Operação. “Lava Jato” é uma referência a estabelecimentos usados pelo grupo para lavar valores. O posto, por exemplo, não aceitava pagamentos em cartões. Só dinheiro vivo, o que, de acordo com a PF, facilitava a confusão entre dinheiro sujo e limpo.
Em 17 de março de 2014 a Polícia Federal deflagrou a Operação “Lava Jato” em seis estados e no DF, dezesseis pessoas foram presas, dentre elas o “doleiro” Alberto Youssef. Três dias depois da prisão de Youssef, em 20 de março de 2014, o diretor de abastecimento da Petrobrás de 2004 a 2012, Paulo Roberto Costa, é preso pela Polícia Federal suspeito de destruir documentos. Paulo Roberto Costa era investigado por supostas irregularidades na compra pela Petrobrás da refinaria de Pasadena, no Texas, em 2006. Verificou-se, também, um relacionamento suspeito entre Paulo Roberto e o “doleiro” Alberto Youssef.
Após dois anos de sua deflagração, na 35ª fase a Operação “Lava Jato” contabiliza números impressionantes: cerca de 1000 anos em penas acumuladas, 134 mandados de prisão expedidos e mais de 90 condenações criminais. Foram, ainda, firmados cerca de 50 acordos de delação premiada.
Recentemente, a “Operação Lava Jato” se concentrou em acusar, além de prender, sem qualquer necessidade e fundamento jurídico, políticos do Partido dos Trabalhadores ou aqueles que de algum modo trabalharam nos governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da ex-presidenta Dilma Vana Rousseff. Em demonstração clara de que a “Operação Lava Jato” tem um caráter seletivo e político. Assim se deu as recentes prisões dos ex-ministros Guido Mantega e Antonio Palocci Filho, sem nenhuma necessidade e as vésperas das eleições municipais.
Hoje já é notório, até mesmo para quem dantes defendia a operação, que os métodos utilizados pela famigerada “Lava Jato”, com seu caráter seletivo, os vazamentos direcionados, as interceptações abusivas, o excesso de prisões provisórias (temporária e preventiva) decretadas como moeda de troca para forçar delações, as elevadíssimas penas resultantes das sentenças que desprezam a defesa e o uso da mídia para influenciar a sociedade e justificar os atropelos do devido processo legal, é abusivo, arbitrário e representa uma violação ao Estado de direito.
No que se refere à influência perniciosa da mídia no processo penal, bem como o modo em que o processo penal do espetáculo assumiu o lugar do processo penal democrático na desmedida Operação, com certeza, a história vai desvendar, no futuro próximo, os fatos que se deram nos porões da “Operação Lava Jato”.
Ao longo destes 30 meses da operação, além dos abusos e violações aos direitos fundamentais, foram verificadas várias incongruências no seio da “Lava Jato”.
2- Luiz Inácio Lula da Silva: o Brasil inteiro sabe que um dos principais objetivos da “Operação Lava Jato” é, depois de destruir o Partido dos Trabalhadores, aniquilar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Sétimo dos oito filhos de um casal de lavradores analfabetos que vivenciaram a fome e a miséria na zona mais pobre de Pernambuco, Aristides Inácio da Silva e Eurídice Ferreira de Melo, Luiz Inácio da Silva nasceu em 27 de outubro de 1945 em Caetés, que à época era um distrito do município de Garanhuns, interior de Pernambuco.
Após ser derrotado em três eleições presidenciais, em 27 de outubro de 2002, derrotando o candidato da situação José Serra (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva é eleito o 35º presidente da República do Brasil.
Em 29 de outubro de 2006 Luiz Inácio Lula da Silva é reeleito presidente da República derrotando Geraldo Alckimin (PSDB). Lula deixou o governo fazendo sua sucessora a presidenta Dilma Vana Rousseff.
Mas por que a “Lava Jato” quer apanhar o ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva? Por que Lula? Porque ele é filho da miséria; porque ele é nordestino; porque ele não tem curso superior; porque ele foi sindicalista; porque foi torneiro mecânico; porque é fundador do PT; porque bebe cachaça; porque fez um governo preferencialmente para as classes mais baixas e vulneráveis; porque é o pai do “bolsa família”; porque retirou da invisibilidade milhões de brasileiros etc.
Dúvidas não há que a elite, a oligarquia e os poderosos jamais se conformaram com um governo progressista, comprometido com os valores sociais e dirigido principalmente à classe assalariada e aos pobres. Nunca aceitaram que um metalúrgico, de origem humilde, simples e sem curso superior governasse o país. Lula é um sobrevivente, lutou para sair da invisibilidade e tirou milhões de brasileiros desta mesma invisibilidade e que passaram a ser vistos em locais antes exclusivos dos ricos e da classe média/alta.
Assim, anos investigando Luiz Inácio Lula da Silva e nada encontrando, a “Operação Lava Jato”, com todas as contradições, incoerências e aberrações, através de um espetáculo midiático, pirotécnico e verborrágico, acabou denunciado o ex-presidente Lula, a ex-primeira-dama Marisa Letícia e mais seis pessoas.
3- A denúncia: Luiz Inácio Lula da Silva foi denunciado (14/9) pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Quando do recebimento da denúncia o juiz Federal da 13ª Vara Federal de Curitiba, referindo-se ao alegado pelo Ministério Público Federal (MPF) na peça acusatória, afirmou que:
Em nova grande síntese, alega o Ministério
Público Federal que o ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da
Silva teria participado conscientemente do esquema criminoso, inclusive
tendo ciência de que os Diretores da Petrobrás utilizavam seus cargos
para recebimento de vantagem indevida em favor de agentes políticos e
partidos políticos.
A partir dessa afirmação, alega o MPF que,
como parte de acertos de propinas destinadas a sua agremiação política
em contratos da Petrobrás, o Grupo OAS teria concedido, em 2009, ao
Ex-Presidente vantagem indevida consubstanciada na entrega do
apartamento 164-A do Edifício Solaris, de matrícula 104.801 do Registro
de Imóveis do Guarujá/SP, bem como, a partir de 2013, em reformas e
benfeitorias realizadas no mesmo imóvel, sem o pagamento do preço.
Estima os valores da vantagem indevida em cerca de R$ 2.424.991,00,
assim discriminada, R$ 1.147.770,00 correspondente entre o valor pago e o
preço do apartamento entregue e R$ 1.277.221,00 em benfeitorias e na
aquisição de bens para o apartamento.
Na mesma linha, alega que o Grupo OAS
teria concedido ao ex-Presidente vantagem indevida consubstanciada no
pagamento das despesas, de R$ 1.313.747,00, havidas no armazenamento
entre 2011 e 2016 de bens de sua propriedade ou recebidos como presentes
durante o mandato presidencial.
Em ambos os casos, teriam sido adotados estratagemas subreptícios para ocultar as transações.
No que diz respeito ao apartamento 164-A do Edifício Solaris, no Guarujá-SP, assim se manifestou o juiz Federal ao receber a denúncia:
Relativamente ao apartamento 164-A no
Edifício Solaris, apesar do imóvel persistir registrado em nome da OAS
Empreendimentos, há indícios de teria sido concedido, ainda em 2009, ao
ex-Presidente, sem que a transferência fosse formalizada.
Oportuno esclarecer que a OAS assumiu
formalmente, em 08/10/2009, o empreendimento imobiliário consistente na
construção do prédio, em substituição à Bancoop – Cooperativa
Habituacional dos Bancários.
Na ocasião, a OAS concedeu aos cooperados
da Bancoop com direitos sobre o empreendimento o prazo de 30 dias para
optar pelo ressarcimento dos valores até então pagos à Bancoop ou
celebrar contrato de compromisso de compra e venda de unidade e
prosseguir no pagamento do novo saldo devedor.
Então, já nessa época, o ex-Presidente e
sua esposa, que tinham cota do empreendimento, deveriam ter definido a
sua opção, como fizeram todos os outros.
Além de não existir registro formal de que
teriam efetuado na época essa opção, aponta o MPF que eles, que já
haviam pago R$ 209.119,73 para aquisição de unidade no empreendimento,
cessaram a realização dos pagamentos mensais em 15/09/2009, ou seja, por
volta da mesma época em que a OAS assumiu o empreendimento.
Apesar da descontinuidade dos pagamentos,
também não há qualquer registro de que a OAS Empreendimentos tenha
cobrado, de qualquer forma, o ex-Presidente e sua esposa pelo saldo
devido pelo apartamento.
Também não há qualquer registro ou mesmo
alegação de que o ex-Presidente e sua esposa teriam recebido de volta os
valores já pagos, o que seria o usual se tivessem realizado a opção
por desistir do empreendimento.
Apresenta ainda o MPF documentos que
indicam que o ex-Presidente e sua esposa assinaram com a Bancoop a
aquisição do apartamento 141-A, muito embora fosse a eles reservado,
desde o início, o apartamento na cobertura 174-A do Edifício Návia,
posteriormente, rebatizado de apartamento 164-A na cobertura do Edifício
Solaris (fls. 95-99).
Por outro lado, a partir de 31/08/2013,
quando a construção foi finalizada, é apontada prova oral, inclusive de
testemunhas, de que o ex-Presidente e sua esposa visitaram o apartamento
164-A em mais de uma oportunidade.
Com efeito, afirmaram a vinculação do
ex-Presidente e de sua família com o apartamento, pelo menos através de
visitas ao local, diversas testemunhas, como, entre outros, o zelador do
prédio, a porteira do prédio, o síndico do prédio, engenheiro
encarregado do prédio e empregado de empresa contratada para a reforma
do apartamento.
Consta ainda prova documental de que a OAS
Empreendimentos realizou, a partir de 2013, gastos significativos com a
reforma do apartamento 164-A, inclusive a instalação de um elevador
privativo, de cozinha e de outras benfeitorias, com a participação de
familiares do ex-Presidente, sem que fosse praxe da referida construtora
realizar a personalização de apartamentos para clientes ou sem que
fosse sua prática a instalação de cozinhas nos apartamentos que
comercializava (fl. 120 da denúncia). Aliás, em relação ao Edifício
Solaris, o referido apartamento 164-A foi o único que sofreu esse tipo
de intervenção (fl. 121 da denúncia).
Verifica-se, ainda, que embora a denúncia afirme categoricamente que Luiz Inácio Lula da Silva "recebeu" o referido triplex, não apontam os doutos e combativos procuradores da República qualquer circunstância relativa a esse suposto recebimento. A única - e insustentável - afirmação é que o ex-presidente Lula teria "recebido" o imóvel em 2009 e passado a “frequentá-lo” em 2013, sem que, novamente e igualmente, seja apontada qualquer circunstância relativa a esse imaginado "uso". Tampouco a denúncia aponta em que consistiria a conduta a fomentar a, tão apregoada, "convicção" da acusação de que Lula é o "proprietário formal" do imóvel.
Esse conjunto, na verdade, é indicativo de que tanto os procuradores da República quando do oferecimento da denúncia quanto o juiz Federal quando do recebimento da desta, sabiam - e sabem - que o imóvel em questão não pertence à Luiz Inácio Lula da Silva ou à sua esposa Marisa Letícia.
Em obra sobre a denúncia no crime de lavagem de dinheiro, Daniela Villani Bonaccorsi assevera que:
Toda acusação deverá sempre ser
determinada, circunstanciada, especificando-se, inclusive, o máximo
possível, em que consistiu a conduta delituosa e a participação de cada
um dos autores do fato. (...)
É incabível, num processo constitucional,
que o réu tenha que se defender não se sabe exatamente de que, ou que
alguém tenha que enfrentar todos os percalços de um processo criminal
sem que tenha sido imputado a ele, de uma maneira mais ou menos certa,
um fato delituoso...[1]
O recebimento de uma denúncia vaga e genérica e sem o mínimo de lastro probatório coloca em xeque o sagrado direito constitucional da ampla defesa e constitui uma ameaça ao próprio Estado de Direito.
4- Da ausência de sequestro do imóvel: Como é sabido, os bens adquiridos ilicitamente com o proveito do crime (origem ilícita) estão sujeitos ao sequestro. Segundo o art. 125 do Código de Processo Penal (CPP) “caberá o sequestro de bens imóveis, adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração, ainda que já tenham sido transferidos a terceiro”. Para sua decretação é necessário, de acordo com o art. 126 do CPP, a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens. O sequestro poderá de ser ordenado pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou do ofendido, ou mediante representação da autoridade policial (art. 127 do CPP).
Somente os bens que tenham sido adquiridos com os proventos decorrentes da prática da infração é que podem ser declarados indisponíveis (necessário um nexo causal) em razão do sequestro. Portanto, os bens dos acusados adquiridos antes do cometimento das infrações ou, ainda que contemporâneo ou posteriormente a eles, desde que não se originem de proventos resultantes das práticas criminosas, serão excluídos da medida assecuratória.
No que se refere à legitimidade passiva, observa-se que a medida assecuratória – sequestro – pode além de abarcar os bens registrados em nome do acusado e sob sua propriedade, atingir também os bens havidos com os proventos da infração, mesmo os que já foram transferidos a terceiros, nos termos do art. 125 do CPP. Em relação ao âmbito de sua incidência, advirta-se que o sequestro atinge não somente o provável autor das infrações penais, sendo certo que ele se dirige ao bem, independentemente de onde estiver, ainda que já tenha sido transferido à terceiro.
No caso em comento, da denúncia contra o ex-presidente Lula, interessante observar que o rigoroso juiz Sérgio Moro que recebeu a denúncia não ordenou o sequestro do apartamento 164-A do Edifício Solaris, em Guarujá-SP (matrícula 104.801).
Ora, se o juiz federal reconheceu ao receber a denúncia - oferecida sem o mínimo de lastro probatório e, portanto, sem justa causa - que em tese o imóvel é produto de crime (originado de pagamento de propina) conforme acima exposto, deveria ter ordenado o sequestro do imóvel, ainda que ele não esteja no nome do ex-presidente, conforme se verificou.
Contudo, se o austero juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, condutor da “Operação Lava Jato”, não determinou o sequestro dos bens nos termos do Código de Processo Penal, com vem sendo feito em quase a totalidade dos casos decorrente da “Operação Lava Jato”, é porque de fato não enxergou o mínimo de indício de que o famigerado apartamento do Guarujá é de propriedade de Luiz Inácio Lula da Silva ou de alguém da sua família. Sendo assim, deveria o juiz Federal Sérgio Fernando Moro da 13ª Vara Criminal de Curitiba ter rejeitado a denúncia por falta de justa causa.
Ao não determinar o sequestro do indigitado imóvel do Guarujá o juiz Federal, ainda que implicitamente, reconheceu que não há sequer indícios da prática dos crimes apontados contra Lula e D. Marisa na denúncia ofertada pelos assanhados procuradores da República. A denúncia oferecida com pompa e circunstâncias é uma peça de ficção que decorre da imaginação fértil dos condutores da Força Tarefa da Lava Jato.
No entanto, não deveria o juiz Federal da 13ª Vara de Curitiba, como já assinalado, ter recebido a denúncia. Receber a denúncia, que tem como objeto central o apartamento 164-A do Edifício Solaris, em Guarujá-SP (matrícula 104.801), em tese e segundo a acusação proveniente de corrupção, e não determinar o sequestro deste imóvel é mais uma de tantas incongruências perpetradas na “Operação Lava Jato”.
Finalmente, é necessário compreender que a Constituição da República não é apenas um objeto a enfeitar as bibliotecas e as estantes dos gabinetes dos procuradores da República e dos juízes Federais. A Constituição da República, nossa lei maior que proclama o Estado Democrático de Direito e que tem como postulado o respeito à dignidade da pessoa humana e que consagra os princípios do contraditório, da ampla defesa, da presunção de inocência, do devido processo legal entre outros, não pode ser atropelada pela fúria punitiva e pelo combate cego a corrupção. Qualquer que seja a operação e sua finalidade é imprescindível que os limites ao poder punitivo impostos pela lei e pelo próprio Estado Democrático de Direito não sejam ultrapassados. Como já foi dito por Claus Roxin, o sistema de justiça penal é um mal necessário, quando se retira o necessário sobra apenas o mal.
Texto de Leonardo Isaac Yarochewsky, no Jornal GGN.
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