Em 1956, revoltado pela falta de interesse despertada por relatórios que
davam conta dos assassinatos que envolviam as eleições no interior do
Brasil, Mário Palmério, deputado federal e educador, escreveu "Vila dos
Confins": obra prima.
Ao longo da história, o leitor acompanha as peripécias de um jovem
político para driblar atentados. "- Sou um deputado federal –que diabo! E
não se mata gente assim sem mais nem menos... O município é meu". E
para garantir tal posse valia tudo: tocaia à beira das estradas,
traições, capangas armados, rondas noturnas dos chamados "bate-paus" até
ser "acabado a tiros".
Tudo bem... Era ficção. Mas na vida real não faltaram descrições sobre
homicídios ao vivo e a cores. O deputado e advogado Waldemar Pequeno,
por exemplo, registrou episódio ocorrido, nos anos 30, com um amigo e
com ele durante as eleições para a Câmara de Aimorés (MG). O amigo
acolheu um moço que lhe pedira um prato de comida. "Servido este e uma
xícara de café, retirara-se o homem para, protegido pela escuridão da
noite, disparar a arma contra quem, alvo fácil à luz do lampião da sala,
o havia agasalhado e alimentado".
Avisado que sua morte fora encomendada e que seria executado por
"capanga peitado", Waldemar foi caçado por nove pistoleiros nas matas do
Rio Doce. Ficou mais de uma semana alimentando-se do que encontrava e
disputando frutas com pássaros. Conseguiu safar-se e se apresentou à
casa de um juiz de Direito para escapar de ser morto.
Coisa do interior? Não. Houve "duelo" até no cenário da capital.
Estrelando Tenório Cavalcanti e Antônio Carlos Magalhães. Numa ocasião,
Cavalcanti, ainda no mandato de deputado federal, discursava na Câmara.
Ele acusava o presidente do Banco do Brasil, Clemente Mariani, de desvio
de verbas. Antônio Carlos, então deputado e baiano como Mariani,
defendera o conterrâneo respondendo que "vossa excelência pode dizer
isso e mais coisas, mas na verdade o que vossa excelência é mesmo é um
protetor do jogo e do lenocínio, porque é um ladrão." Tenório
Cavalcante, sacou o seu revólver e berrou: "Vai morrer agora mesmo!".
Colegas correram para tentar impedir o assassinato enquanto outros
fugiram do plenário. Antônio Carlos, tremendo de medo, teve uma
incontinência urinária. Mesmo assim, gritava: "Atira." Tenório, por fim,
resolveu não atirar. Rindo da situação em que ACM se encontrava,
recolheu o revólver, dizendo que "só matava homem".
Representante do coronelismo na Baixada Fluminense, Tenório ou "o homem
da Capa Preta" provou que as práticas violentas do interior, podiam
migrar para a periferia das grandes capitais. Junto à população local,
ele protelava ou executava sentenças, com auxílio de "Lurdinha", nome de
sua metralhadora.
A história das execuções sumárias vem de longe. Segundo sociólogos, elas
se multiplicaram nos anos 60 e 70, com a criação de esquadrões da morte
que agiam sob o lema "bandido bom é bandido morto". Policiais se
transformaram, então, em agenciadores dos serviços para vereadores,
deputados e prefeitos que, por sua vez, solucionavam problemas de seus
financiadores. Delegados trabalhavam junto dando cobertura.
Assim, políticos ligados à teia do crime continuaram a fortalecer, pela
violência, sua base política e eleitoral. Todos eles ávidos para ter
acesso às populações encurraladas por degradantes índices de pobreza,
educação, saúde e segurança. Se o coronelismo existe desde os tempos da
República Velha, ele não morreu. Hoje, com novo nome, técnicas e
protagonistas, ele segue matando. Foram mais de 90 execuções durante o
último processo eleitoral.
Texto de Mary del Priori, na Folha de São Paulo.
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