Chorei o resto do dia inteiro quando num domingo, por alguma razão, o pai não quis me levar nas carreiras. Era minha maior felicidade naquele tempo na hoje distante Vila Rica. Não ver os parelheiros “voando” sobre os trilhos de areia era dor imensa que a vida parecia não ter mais sentido. Jurei nunca mais botar os pés perto da cancha, mas durante a semana, o velho, remoído pelo remorso, avisou que o próximo domingo seria de festa. Falou dos cavalos que iriam participar e que íamos churrasquear debaixo dos cinamomos. Que lindo era ver o povo vestido a capricho, mulheres com vestidos domingueiros, ricaços em autos encerados e, vez por outra, um gauchão do tempo antigo, bem pilchado, montado num belo pingo, com arreios de prata. Eram guapos que ostentavam adagas e que aceitavam briga por um motivo qualquer.
Neste domingo, nem lhes conto, ali pelas três da tarde chegou um tal de Mulato, um negro domador de cavalos com uma linda morena na garupa. A Tina Fumaça era conhecida tanto pela beleza como por seu gênio forte e pelos casos que tivera com alguns carreiristas endinheirados. E o Mulato era mandingueiro, mulherengo e cujos olhos pretos debochados eram alvos de outra beleza da terra, a gringa Mariana que, segundo comentários, era apaixonada por ele. Pelo sim, pelo não, o certo é que o Mulato chegou fazendo alarde e apeou bem em frente à sombra onde estavam a gringa, sua mãe e o padrasto. Depois, o Mulato pegou nos braços a Tina e no embalo de um rádio próximo, saiu dançando com a chinoca numa vaneira, levantando poeira. A gringa olhou aquele deboche com olhos encharcados de ciúme, bufou e entrou na camioneta da família e de lá não saiu mais. Minto, saiu, mas apenas para fazer algo que iria arruinar sua vida. Era final da tarde, a Tina estava sentada, solita, ao lado do tordilho do Mulato. Então, babando de raiva, a rival correu e num bote de onça ferida se lançou sobre a infeliz amante e enterrou-lhe uma carneadeira assim meio de lado. A lâmina cruzou as costelas e atravessou o coração. Não vi, me contaram depois. A Tina morreu na hora e a gringa foi detida por dois milicos e mais tarde transferida para a Capital. Nunca mais se ouviu falar dela.
Sei que fui para casa tão triste com aquilo tudo que decidi nunca mais ir às carreiras. Na época, não entendia porque alguém mataria por ciúme. O que é o amor, porque ele às vezes se associa á desgraça, se envolve com sofrimento? Ah, meus amigos, já vivi muito e ainda não achei resposta. Só sei que a gente deixa de ir a festas, para de comer churrasco gordo, a gente aprende e desaprende tantas coisas. A única coisa que a gente nunca aprende é parar de amar, mesmo que isso represente uma faca afiada no coração…
Reprodução do Blog Campereadas, de Paulo Mendes, no Correio do Povo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário