segunda-feira, 7 de março de 2016

A Itália contra as sete irmãs do petróleo


Das grandes economias europeias do pós guerra, a Itália era a única que não tinha sua empresa de petróleo, elemento essencial para reerguimento da economia saída da guerra.
 
Em 1953, mesmo ano de fundação da Petrobras, foi criado o ENTE NAZIONALI IDROCARBURI-ENI, uma empresa estatal para explorar, refinar e distribuir petróleo. O homem que criou e estruturou a ENI foi Enrico Mattei, funcionário do governo italiano, pai da ideia e chefe único da ENI até o dia de sua morte. um idealista que a partir do zero e com vontade que teve a paixão por iniciar essa grande obra até sua morte em um inexplicado explosão de jatinho  em 1962, acidente que na época despertou graves suspeitas de assassinato e foi enredo um um famoso filme, O CASO MATTEI.
 
A economia italiana é de industrialização tardia, como a alemã, mas com características muito específicas. É uma economia de alianças e compadrios políticos, de arranjos entre o público e o privado, onde ao contrário da transparência tão essencial ao capitalismo estruturado anglo-americano, o segredo, a palavra empenhada, o domínio do "capo" são as alavancas que fazem esse economia funcionar e não a construção institucional tão própria de corporações anglo-americanas, uma economia muito parecida com a economia brasileira pré-Lava Jato, uma ação mais entre amigos do que de organograma.
 
A criação da ENI e sua operação internacional foram consideradas uma agressão ao cartel mundial de petróleo, conhecido como as SETE IRMÃS: Royal Dutch Shell, Anglo Persian Oil Co. (hoje BP), Standard Oil Co.of New Jersey (hoje Exxon), Standard Oil Co. of Califronia (hoje CHEVRON), Standard Oil Co.of New York (depois MOBIL OIL e hoje parte da EXXON), TEXACO (hoje parte da CHEVRON)  e GULF OIL (também parte da CHEVRON).
 
A regra internacional do cartel era dar aos países onde estavam as jazidas um royalty de 27.5% sobre o lucro bruto da exploração, todas davam o mesmo percentual. A ENI chegou oferecendo 50% de royalty, seu primeiro alvo foi a Líbia, depois o Egito, Nigéria, e fez um grande acordo com a SONATRACH, estatal do gás da Argélia. A ENI construiu gasodutos sob o mar Mediterrâneo para trazer gás para a Itália, tinha sua própria empresa de projetos (a SNAM PROGETTI), de consrução (SAIPEM), de gás (LIQUIGAS).
 
A ação da ENI irritou profundamente as Sete Irmãs que tiveram que acompanhar a ENI, diminuindo seus lucros.
 
A ENI foi o detonador mas o conjunto do capitalismo italiano que operava com alianças secretas e acordos nunca muito claros sempre irritou profundamente as corporações anglo-americanas que não conseguiam entender como uma economia aparentemente desorganizada conseguia tanto sucesso que na superfície parecia improvável.  A Itália tinha excelência em automóveis, tratores, motores diesel (FIAT, Lancia, Ferrari, Alfa Romeo), química (Montecatini), siderurgia (Dalmine), material bélico (Oto Melara), farmacêuticos (Carlo Erba) seguros (Assicurazioni Generali di Triestre i Venezia), helicópteros (Agusta), sem falar nos domínios tradicionais de alimentação, tecidos, moda.
 
Um exemplo do modelo de capitalismo italiano foi o MEDIOBANCA, um banco de investimentos de Milão montado pelos grandes grupos italianos com participação do Estado, seu fundador foi Enrico Cuccia, um siciliano, tornou-se o mais poderoso banqueiro italiano, nenhum grande negócio se fazia na Itália sem seu apadrinhamento. Assim como Mattei não era dono da ENI, Cuccia não era dono do Mediobanca, mas era o "capo" que todos respeitavam. Foi obrigado a se aposentar aos 70 anos, uma semana depois a esposa implorou que lhe dessem alguma coisa para fazer no banco para que ele não ficasse em casa mofando, deram-lhe a chefia do setor de expedição e correio, o mais humilde do banco.
 
Dois depois todos se dirigiam a ele e nenhum grande negócio se fechava sem seu consentimento. Porque? No sistema italiano, que vem do Renascimento, o "capo" é um atributo da pessoa e não da instituição, o capitalismo italiano não é institucional e sim pessoal, algo incompreensível para os anglo-americanos, que não suportam um sistema onde não se sabe quem manda pelo cartão de visitas, não é o cargo formal, é o atributo pessoal que faz o poder.
 
Esse capitalismo dinâmico precisava ser desmontado porque era um ponto fora da curva no sistema global.
 
Na sequencia veio a operação Mãos Limpas, para colocar o capitalismo italiano  nos trilhos do sistema global, com o fim do antigo modelo de "capitalismo pessoal" que serviu a Itália por cinco séculos, a Itália teve o primeiro banco da História, criado pelos Medici em Florença e foi a Itália quem inventou o sistema de partidas dobradas, base da contabilidade até hoje.
 
A ENI foi privatizada assim como todos os bancos italianos, que eram estatais, a eletricidade, a Montecatini, a navegação, os estaleiros, as holdings poderosíssimas FINMECANICA, com 400 faáricas e a  ITLSIDER.
 
A Mãos Limpas no processo também desmontou o sistema político que sustentava esse capitalismo, deixando a Itália vulnerável a absorção de sua economia pelas grandes corporações anglo-americanas. Depois disso a Itália praticamente estagnou, entrou em decadência política, social e econômica, perdeu importância relativa, o surgimento de um tipo vulgar como Berlusconi no mesmo Parlamento onde despontaram vultos como De Gasperi e Giulio Andreotti (perseguido pelas Mãos Limpas) é um sinal simbólico desse tempos novos de um capitalismo que perdeu sua identidade nacional.


Texto de André Araújo, publicado no Jornal GGN

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