quinta-feira, 10 de março de 2016

Mãos Limpas

Tudo começou em 1992, quando um juiz da comarca de Milão desvendou um esquema de financiamento ilegal de campanhas. A operação expôs um propinoduto envolvendo a maior petrolífera do país e terminou expedindo 3.000 mandados de prisão. O escândalo derrubou o governo do dia, implodiu os dois partidos mais poderosos e pôs gente graúda na cadeia.
O juiz responsável pela operação Mãos Limpas tinha 42 anos e uma equipe de promotores jovens com quem aplicou a chamada "teoria dos jogos" a um sistema de delações, fórmula que fez caciques dos partidos e magnatas da indústria caírem como peças de dominó.
A classe política reagiu, partindo para o ataque.
A contraofensiva inicial veio de Bettino Craxi, ex-primeiro-ministro e chefe do partido socialista. Acusado de crimes de corrupção, favorecimento de familiares e de empresas amigas, Craxi adotou a tática da vitimização: acusou a investigação de ser seletiva e, ao condenar a esquerda, fazer o jogo da direita. Craxi tentou justificar a comprovada roubalheira dizendo que todos os partidos faziam o mesmo, mas foi condenado a 27 anos de prisão (livrou-se do xilindró fugindo para a Tunísia, onde tinha casa de descanso e era amigo do ditador Ben Ali).
A segunda contraofensiva da classe política foi mais eficaz. Seu líder era um empresário da mídia que estava prestes a ser condenado pela operação: Silvio Berlusconi.
Ele saiu candidato, virou primeiro-ministro e, no centro do poder, usou o pódio não apenas para se apresentar como vítima da sanha justiceira dos promotores, mas para lançar contra eles uma campanha de difamação: acusou-os de serem corruptos.
A acusação nunca deu em nada, mas atrasou o calendário da operação, dividiu o Judiciário e a opinião pública.
A pressão bastou para que o juiz responsável se demitisse e optasse por entrar para a política.
Berlusconi caiu em seguida, mas evitou a cadeia com táticas protelatórias e, seis anos depois, voltou ao ataque, empossado de novo como primeiro-ministro.
Desta vez, sua ofensiva foi brutal. Em conluio com os principais partidos, ele aprovou leis para limitar a autonomia do Judiciário, reduzir o poder dos promotores e descriminalizar o caixa dois.
As acusações contra ele foram arquivadas, abrindo-lhe o caminho para quase nove anos de mandato.
Sem dúvida, a operação Mãos Limpas representa uma faxina inédita na história da Europa, mas sua vitória foi parcial. A Itália ocupa hoje o mesmo lugar nos rankings internacionais de corrupção que ocupava antes do início da investigação. Quem ganhou foram Berlusconi e sua turma, com apoio popular.


Texto de Matias Spektor, na Folha de São Paulo

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