O namorado angustiado foi uma febre no final dos anos 90, quem lembra? A cintura de nossas calças era baixa, mas nada comparada ao orgulho dos consortes que adorávamos exibir em festas: "Hoje disse que morre sem mim". O futuro veio e o namorado angustiado virou commodity. O homem que chora quando dá aquele medinho da vida é coisa linda de se ver. É a maior conquista dos nossos tempos. Aumentou muito, em número e intensidade de crises, nos últimos anos. E sim, queríamos isso. Nossa luta o proclama. Nosso racional o abraça. Nossos ossos o aceitam. O jorro do homem real também acontece via canal lacrimal. A fraqueza do sapiens e a gourmetização da banana. Finalmente o homem humano.
Mas tem algo ali, lá pros lados dos fluidos carnais, um troço mais velho do que algum ditado de nossas bisavós, uma coisinha que talvez a psicanálise explique, mas nossas leituras feministas não tanto, que anda desacorçoado. Claro que não queremos o atrasado macho rude, mas talvez falte ao novo rapaz entender que nem sempre (quase nunca) achamos sexy ver suas costas tão abauladas pelo peso dos dias.
Algumas células de nossos modernos corpos "mulheres 2016" insistem em funcionar de forma antiquada. O homem angustiado, por mais senso comum que tenha se tornado, ainda assusta algumas esquinas empoeiradas do nosso corpo. E, pra combater esse mal, existem os maravilhosos grupos de WhatsApp (eu tenho quatro: Azamigas, Migacetalouca, Só mulherada e Terça inXana): "Não levantou mais da cama desde que soube que tive um aumento" ou "Hoje tá mais caído que o sinal da Net em dia de chuva". E vamos levando, certas de que "ele é tão fofo" é um presentinho divino, é a pica menor em que temos que sentar numa chuva de picas. Até o dia que inventamos uma obra em casa. Daí é que entra Jamilton, o empreiteiro.
Jamilton parece um Zé Ramalho mais gordo e, às vezes, a depender do ângulo, um Pedro de Lara mais lépido. O fato é, tenho sonhado muito com ele. Homens acham que basta a trinca teatral "saber chegar sem usar o Waze, fazer de conta que ouvem nossos problemas e sexo oral sem nojinho" para nos emocionar. Que basta misturar despojamento, blazer e Aperol Spritz. Jamilton QUEBRA PAREDES, meu querido. Ele está acima da listinha do burguês sexual.
A dúvida existencial era "você acha que eu deixo a sala maior ou mantenho o terceiro quarto?". Meu arquiteto ficou agoniado, meu namorado em dúvida, meu amigo tenso. Jamilton nem me esperou terminar a frase e já saiu marretando o concreto: "Tá resolvido!". Eu espirro e ele vem, impecavelmente moreno apesar da poeira branca, com um pedaço de papel higiênico: "Tá resolvido". Eu tropeço em entulhos e ele aperta meu braço (como se eu fosse uma empadinha fresca, implorando por uma fome tão ambiciosa a ponto de dar conta de tamanho esfarelamento): Tá resolvido!
O mais charmoso de Jamilton é sua dupla personalidade. Comigo, um super-herói do cangaço. Com os pedreiros, um coronel mordaz. Ontem veio me dar a notícia: R$ 30 mil só a varanda... mas pra senhora eu faço "a perder de vista". Pagarei em 200 vezes só para ter, sempre ao alcance dos olhos, alguém que resolva problemas com a crueza assanhada de um assassino de alvenarias. Gravarei sua voz dizendo "tá resolvido" e colocarei ao lado da cama, até adormecer. Às vezes, perdão, eu sinto saudade desse homem que desinventei.
Texto de Tati Bernardi, na Folha de São Paulo.
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